domingo, 28 de março de 2010

Curso de capacitação politica da JS/PDT

Populismo, Nacional-Desenvolvimentismo e Neopopulismo



* Wendel Pinheiro1


Populismo. Tema este que invade tanto as discussões acadêmicas quanto à cultura política nacional (nos embates políticos externos ou intrapartidários), inserindo-se, inclusive, no imaginário popular. Discussões inclusive que, com um fundo historiográfico preciso, tinham, inicialmente, o intuito de explicar os fenômenos políticos presentes após o período estadonovista, culminando no golpe civil-militar de 1964. Todavia, estendendo-se à arena política, esticou-se tanto este conceito, a ponto de enquadrar múltiplas2 definições sobre o “populismo”, desde o que concerne à fraqueza das elites no controle do Estado e a ampla migração urbana de camponeses (explicação estrutural) até a definição da existência de políticos que, com a sua “má-fé”, estariam, com discursos demagógicos, “enganando” o povo, ao apresentar, com uma visão messiânica, promessas – diversas vezes “vazias” – em torno de um conjunto de propostas de uma possível inclusão aos setores excluídos.


Democratismo romântico, visão mitificada de povo (através da criação de um “perfil popular” como, por exemplo, em áreas com forte concentração urbana com a exaltação da imagem de um trabalhador); a exaltação de valores e tradições populares e a divisão entre “povo” e o “não-povo”3, em uma visão maniqueísta. Conceitos, por vezes, ampliados ou limitados demais a uma determinada visão – muitas vezes com a existência clara de uma ambigüidade conceitual em torno do conceito de “populismo”.


Talvez, atualmente, a visão do “populista”, espraiado no senso comum – tanto no meio acadêmico quanto no imaginário popular4 e inclusive no meio político –, estaria ligada à visão “do outro”. Tudo que refletisse a demagogia, a manipulação ou as promessas vazias estaria associado ao outro, à oposição. Em um processo de “satanização”, haveria, aos que não seguissem o “axioma não-populista”, uma estigmatização a estes, no papel de “populistas”. Como se, por baixo de um “modelo pré-definido”, tudo quanto não se encaixasse no “não-populismo” fosse, necessariamente, “populista”, em um conceito vastíssimo, sem uma exata definição daquilo que se perfilaria, inicialmente, nos meios acadêmicos, sobre o fenômeno do populismo.


O que seria então o “populismo”? Um fenômeno isolado ou com um denominador claro e preciso a todos os perfis de governo ou de líderes que se encaixam com o populismo? Um conjunto de características comuns por vezes inerentes a governos com conteúdos ideológicos assimétricos? Ou nunca poderíamos enquadrar uniformemente esta denominação aos diversos exemplos? Será que existiam diversos “populismos”? Ou mesmo este contorno conceitual em torno do populismo é impreciso, vago e ambíguo? O que será que faz diferenciar um estilo de outro na definição de ser ou não “populista”?


Questionamentos como estes perpassam nas discussões acadêmicas, presentes entre diversos cientistas políticos, sociólogos e historiadores que trabalham a fundo no que tange a esta questão e/ou sobre os temas e recortes temporais e espaciais que trabalham sobre temas da História Social e Política referente ao Brasil Contemporâneo e à conjuntura latino-americana das últimas seis ou sete décadas. Posicionamentos, inclusive que se alternam em revisões nas teses políticas e historiográficas a cada nova abordagem que se faz sobre este período. Ainda assim, este tema se torna mais desafiador se quisermos fazer uma análise não somente conceitual, mas encampando, sobretudo, as diversas gestões de lideranças da direita e da esquerda latino-americana que, dependendo do enfoque dado por determinados grupos, podem ser considerados “populistas” (dada a elasticidade da definição por estes teóricos) ou, inclusive, não (dependendo da abordagem que possa ser dada – inclusive se usarmos os defensores da tese “nacional-desenvolvimentista” ou mesmo os que, contrários5 à definição ampliada do fenômeno populista, fazem abordagens distintas – inclusive atualmente – sobre a abordagem clássica a respeito do “populismo”).


Igualmente, as transformações conjunturais a nível mundial, com a inclusão da globalização e a extinção da bipolaridade (através da queda da URSS, no final da década de 1980) deram um outro perfil, diferente do tradicionalmente abordado, ao conceito do que seria o novo populismo (ou o “neopopulismo”). Qual seria a sua nova roupagem? Quais os parâmetros capazes de fazer de um ícone político ou de uma determinada gestão à denominação como “neopopulista”? Inclusive, quais seriam as novas abordagens? Um “neopopulismo étnico”, de Evo Morales e, até então, de Yasser Arafat? Um “neopopulismo bairrista”, de ACM e de Paulo Maluf? Um possível “neopopulismo religioso”, de Marcelo Crivella e, talvez, de Anthony Garotinho? Talvez sim, talvez não, dependendo do enfoque e da abordagem que possa ser feita daquilo que seria (ou não) o populismo e quais as características em comum (ou se poderia existir um “populismo lulista” ou um “populismo chavista”, dentre tantos outros, com a sua modalidade específica).


Neste trabalho, faremos uma breve “historiografia” do termo referente ao “populismo” no Brasil (incluindo algumas inserções exemplificativas no âmbito latino-americano). A seguir, mostrar a tese “nacional-desenvolvimentista” ou afim, demonstrando, basicamente, as suas características. A seguir, problematizar sobre o que seria o “neopopulismo” e entender se tal definição se aplicaria em determinados casos ou se esta concepção está ainda a se construir. Entender até onde o “neopopulismo” guarda continuidades com a definição do modelo do “populismo tradicional” e em que (ou quais) ponto(s) há, de certa forma, uma ruptura com a definição anterior e quais seriam as inovações no campo conceitual sobre este fenômeno.



“Populismo” e “nacional-desenvolvimentismo”



O período compreendido entre 1945 e 1964, riquíssimo na abordagem referente a este recorte temporal, guarda uma visão bastante peculiar da intelectualidade da USP, com os seus sociólogos. No entanto, anteriormente a esta escola, já havia, embora sem uma formulação teórica precisa, uma definição frente ao fenômeno que se associaria, cedo ou tarde, à tradicional denominação a respeito do que seria o “populismo”. Uma definição oriunda dos que, em oposição a Getúlio Vargas, traçaria o perfil do Estado Novo – de cunho nitidamente autoritário – e da amplitude da influência do então Presidente, frente às massas populares carentes de organicidade política e habilmente manipuláveis pelo “maquiavelismo” getulista.


Faz-se necessário entender a abordagem da intelectualidade paulista, uma vez que há linhas de interseção plausíveis com a visão tida pelos liberais e oposicionistas a Vargas. No entanto, comparada com a escola USPiana, há uma carência teórica muito grande por parte dos antivarguistas, por conta da utilização de conotação pejorativa na arena política. Por sua vez, os sociólogos da USP – influenciados pela tese da modernização de Torquato Di Tella e Gino Germani (em seu auge, nos anos 50/60 do século XX) –, fariam uma abordagem nítida do processo de industrialização brasileira nos anos 30 do século XX e de um amplo êxodo rural. Tais camponeses, inseridos no meio urbano industrializado, em um processo rápido de urbanização e de industrialização (na passagem da sociedade tradicional para a moderna), por não terem uma cultura política de direitos, estariam aptos a apoiar os “líderes carismáticos”, por estes proporcionarem a extensão dos direitos sociais e, por vezes, os direitos políticos.


No final do período do Estado Novo e passando por um longo período, os demais oposicionistas a Getúlio Vargas (liberais, antigetulistas autoritários6 e demais intelectuais da direita e da esquerda7) associariam o seu governo, a partir de 1930, como de viés “populista”, herdando o clientelismo da Primeira República. Com uma visão vitimadora da sociedade8, viam em Vargas o autor da desigual relação entre Estado-Sociedade. Particularmente, as vítimas preferenciais deste processo seriam, sobretudo, os trabalhadores9, alvo das políticas da ditadura estadonovista. Com a extensão dos direitos sociais, principalmente com a criação da CLT, os trabalhadores se submeteriam politicamente a Vargas, rendendo-lhe fidelidade política. Ainda mais: sob a cooptação e a manipulação feita pelo Estado Novo, somada ao medo que este Regime conferia aos demais (por conta do aparato repressor estatal oficializado), os trabalhadores, mesmo após a queda do Estado Novo, após 1945, não teriam sido capazes de se desvincularem de todo o “engodo ideológico” produzido até então no período getulista, por meio de uma legislação de cunho corporativista e da existência de sindicatos tutelados ao Estado, com lideranças sindicais pelegas10 (mais tarde transformados nos “líderes demagógicos” – onde Jango seria o exemplo acabado da herança da estrutura do Estado Novo, como o mantenedor do esquema de Vargas). Enfim, mais tarde, no segundo governo de Getúlio Vargas, para esta mesma corrente, ser “populista” não equivaleria mais ao sentido interpretativo referente ao Estado Novo, mas sim, dentro do quadro democrático, à associação direta a imagens que remontavam para a “manipulação da massa trabalhadora”, ao “paternalismo” e às práticas institucionalizadas de corrupção, patrocinadas pelo Poder Executivo (mais particularmente ao Ministério do Trabalho, com quadros ligados ao Partido Trabalhista Brasileiro – PTB).


Destarte, em torno desta idéia, se encontra um Estado hábil11 que, aproveitando-se da debilidade da massa trabalhadora (sem os seus líderes perseguidos e/ou presos) e de uma sociedade incapaz de se auto-organizar, utilizaria todos os seus recursos de persuasão (como a propaganda política estatal, por exemplo) e de coerção (a atuação direta do aparato repressor do Estado contra os que se opunham a ele) para poder cooptar e seduzir os trabalhadores.


A partir da década de 1950, começam a surgir duas correntes que passam a tentar compreender sobre as transformações sociais, econômicas e políticas presentes naquele período. Procurando entender tais razões, as correntes da USP e do ISEB tentavam, com suas visões sobre o contexto conjuntural específico, entender as mudanças presentes na sociedade brasileira, a partir da década de 1930.


A corrente ligada à escola de Sociologia da USP passa a iniciar os estudos sobre a relação direta entre líder carismático – povo, a partir da década de 1950, tendo uma produção intelectual mais abrangente logo após o Movimento Civil-Militar de 1964, quando este grupo tenta refletir as razões que culminaram com a eficácia do Golpe de Estado sobre o Governo Jango. Seria necessário entender o porquê da interrupção do processo democrático com o abrupto golpe promovido por correntes civis e militares.


Entre os intelectuais da USP, se destacaram como os principais expoentes, no estudo referente à etapa compreendida entre 1930 e 1964, Francisco Weffort e Octávio Ianni, embora Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e Bóris Fausto, por exemplo, também fizessem parte deste grupo de sociólogos e historiadores da USP, em plena década de 1960. Este grupo, influenciado pela Teoria da Modernização de Torquato Di Tella e Gino Germani, afirmava que o Brasil, para superar a sua base econômica no âmbito da Primeira República (baseada na linha agrário-exportadora), teria que implementar um forte processo de industrialização para superar o processo atrasado, se comparado a outros países que já tinham um claro avanço industrial (como exemplo, os demais países que tinham feito parte das duas primeiras Revoluções Industriais, como os países europeus, os EUA e o Japão). Com a crise de 1929 e o enfraquecimento posterior do liberalismo oligárquico da Primeira República, a conjugação de diversos interesses em comum – dentre os diversos grupos distintos (as oligarquias dissidentes com a burguesia industrial em ascensão e o apoio de setores populares emergentes, encabeçado pelos segmentos médios) – implementaria um governo que imprimisse um direcionamento claro na ampliação de um processo industrial. Junto a isso, com a ampliação da industrialização nos grandes centros urbanos, começa a haver uma forte migração urbana, por parte de grande parcela de camponeses.


Assim, com a “massa” de migrantes sem qualquer experiência política e com a inaptidão de uma elite em inserir este segmento nas frágeis instituições democráticas (estas incapazes de atender as demandas das massas, com a ausência de um canal de diálogo), sem ter quaisquer lideranças no seio da elite capaz de conferir legitimidade popular e capacidade para a inserção desta nova massa de trabalhadores assalariados – com a ausência de uma maior experiência política e pressionando pelo atendimento de demandas referentes aos direitos básicos de cunho social –, surgiria, no seio da classe média, a figura do líder carismático, equacionando tal impasse. Esta liderança cumpriria o seu papel, utilizando-se do seu prestígio para manipular os trabalhadores, distorcendo-os de seu sentido teleológico (a consciência destes como integrantes da classe trabalhadora, com as suas demandas e reivindicações, no sentido mais clássico e convencional do ideário marxista de uma “classe operária”). Utiliza-se de tons messiânicos em torno do seu discurso e confere legitimidade em torno da sua imagem, aproveitando-se da fragilidade12 das instituições representativas. O apelo direto às massas e o pacto entre líder/trabalhadores, utilizando-se da tutela estatal seria o elemento chave para compreender o fenômeno populista, onde o líder seria o “ator político” e as massas não teriam este mesmo papel, sendo apenas “objetos” ou “destinatários” das políticas populistas, somado à cooptação das lideranças populares por estas lideranças e a manipulação sobre às massas, então inconscientes do seu papel político.


Continuando a abordagem USPiana em torno do “populismo”, a legitimidade emprestada pelos trabalhadores ao líder se daria com o reconhecimentos daqueles à postura paternalista que tal liderança, em suas práticas políticas, assim exercesse, na concessão de direitos sociais. Entretanto, em contrapartida, excluir-se-ia a possibilidade dos trabalhadores exercerem os seus direitos políticos, em sua plenitude e com uma maior abrangência.


Amplia-se à explicação sobre o fenômeno populista. Exacerbado nacionalismo. Política de massas. Negação do conflito de classes, em bojo do ideário da paz social e a união em torno de um projeto de país, na escolha de um “inimigo” na construção da retórica populista, em torno das elites “antipatrióticas” ou mesmo sobre o imperialismo norte-americano.


Com a expansão gradual dos direitos sociais e a contradição13 entre os grupos antagônicos (por meio de alternativas radicais), onde os setores populares aderem à liderança carismática, estariam as condições efetivas para o esgotamento do “Estado Populista” – por conta das radicalizações das propostas entre os grupos nacionalistas e os associados ao ideário conservador. Abriria a possibilidade para a implementação de um regime autoritário que contivesse os avanços das massas populares, cerceando o espaço de atuação política das tradicionais lideranças carismáticas (similar à implementação de diversos regimes autoritários em vários países latino-americanos, ao conter a ampla adesão popular em torno dos demais líderes populistas e a expansão do processo democrático aos setores populares).


Todavia, existia a linha que, ao contrário da escola USPiana, explicava o fenômeno da participação das massas no cenário político brasileiro, através da premissa do “nacional-desenvolvimentismo”. Este grupo pertencia ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)14 que, fundada em meados da década de 1950, teria uma grande efervescência intelectual durante a gestão do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), com destaque a Hélio Jaguaribe como um dos grandes expoentes da escola.


Os nacional-desenvolvimentistas tinham o intuito de formular uma tese que pudesse interpretar a crise presente do país, por meio de um projeto progressista que obtivesse o apoio das principais lideranças, formando uma vanguarda capaz de formular um projeto político capaz de solucionar estes problemas – inclusive com as propaladas Reformas de Base.


Contrário a tese da “manipulação populista” feita por líderes carismáticos (defendida assim pelos intelectuais da USP), os nacional-desenvolvimentistas faziam uma análise da aliança governante-povo, no sentido dos governantes legitimarem as demandas populares, trazendo uma inserção social e política maior aos setores mais excluídos da sociedade, através de uma política de teor nacionalista e desenvolvimentista. Adaptando a Teoria da Modernização à tese nacionalista, seria necessária, para eles, uma política de desenvolvimento nacional mais independente, através da prática da política de substituição das importações, em detrimento da política econômica agrário-exportadora. Outrossim, a obtenção da estabilidade na sociedade brasileira existiria com uma maior eficácia por meio de ações de promoção social, como a garantia dos direitos sociais (por exemplo, a extensão dos direitos trabalhistas e previdenciários e a criação da CLT, além da existência do Ministério do Trabalho, dentre outros itens que perfazem tais direitos).


Para que tais formulações estivessem em prática, seria imprescindível a união, por uma coalizão progressista, nacionalista e democrática, por diversos setores da sociedade civil, organizados de forma ativa, como os setores populares (por intermédio do preparo intelectual das suas lideranças, através de cursos promovidos pelo ISEB, no início da década de 1960), a burguesia industrial nacionalista e grupos de orientação patriótica. Esta aliança teria como propósito se contrapor ao imperialismo norte-americano e aos grupos econômicos associados ao capital estrangeiro, ao defender também o crescimento do país, por meio de um intervencionismo estatal em setores estratégicos – alvos diretos do estímulo e do investimento do Estado, protegidas por práticas protecionistas estatais, superando o grau de subdesenvolvimento e proporcionando condições ao pleno desenvolvimento nacional, com a ampliação do mercado interno (através da inclusão social). Desta maneira, o Brasil, segundo o nacional-desenvolvimentismo, teria um perfil mais independente no cenário econômico mundial, por intermédio da ação presente do Estado como o promotor do desenvolvimento do país, conforme a demanda política e econômica.



Epílogo: Neopopulismo – uma incógnita ou uma releitura do populismo?



Mediante as transformações existentes a partir do final da década de 1980, com a extinção da URSS, e com a expansão do processo de globalização (juntamente com a criação de blocos de integração econômicos), surge, na América Latina, a tentativa de diversos governos em implementar o receituário neoliberal, em plena hegemonia da “economia de mercado” – por meio da tese do “Estado Mínimo”. Com a aplicação destas políticas (encabeçada, em especial, pelos EUA de Ronald Reagan e pela Inglaterra de Margaret Thatcher) que giravam em torno da redução dos direitos sociais (a “falência” do “Welfare State”) e da diminuição de atribuições de cunho intervencionista por meio do Estado, tal prática se estende aos demais países da América Latina (dentre eles, o Brasil), durante a década de 1990.


Entretanto, com os efeitos colaterais advindos das reformas de cunho neoliberal e os baixos índices de crescimento econômico, a partir dos últimos anos da década de 1990 até recentemente, várias lideranças progressistas dos diversos países latino-americanos questionaram o alcance de desenvolvimento nacional alardeado pelos defensores do “Estado Mínimo”. Obtendo o apoio dos segmentos populares contra a aplicação do receituário neoliberal, tais lideranças progressistas15, a seu modo, ao derrotarem as forças de viés conservadoras, tentaram implementar projetos com uma maior inclusão social – seja dentro dos parâmetros da democracia liberal e das suas instituições representativas16; seja pela ação direta17 (a tentativa da prática da “democracia rousseauniana”), com o apoio popular, por vezes deslegitimando os canais de representação democrática.


Para os expositores da tese do “populismo”, o “neopopulismo”, salvaguardada as transformações políticas, econômicas e culturais, teria como característica fundamental (a partir da análise referente aos graus da experiência democrática referentes a cada país latino-americano, relativizando, assim, o conceito de “neopopulismo”) a explicação sobre a equação entre o grau de inserção das lideranças carismáticas e o seu poder de prestígio e trânsito diante das organizações representativas e da sociedade civil. As massas, diferentemente do populismo clássico dos anos 50 e 60 do século XX, não teriam qualquer mobilização política organizada, girando em torno do líder carismático (similar ao conceito inicial em torno do “populismo”).


No entanto, para as correntes com uma linha ligada a uma releitura referente ao “nacional-desenvolvimentismo”, o “neopopulismo” teria uma maior legitimidade, no momento em que, ao combater a dependência econômica dos países periféricos (em relação aos países centrais e aos grandes blocos econômicos) e o “financismo” promovido pelas políticas neoliberais, trouxesse um maior desenvolvimento nacional, calcado no desenvolvimento industrial e no setor produtivo, gerando o aumento de uma maior inserção social (com a criação de empregos e o avanço dos direitos sociais, adaptado à conjuntura do século XXI) e do posterior aumento do mercado interno, promovendo um crescimento nacional plausível, mesmo com os marcos presentes da globalização, com os blocos econômicos.


Adaptando-se às situações políticas presentes em cada país latino-americano, encontra-se em aberto o debate do que seria o “neopopulismo” – se existiria uma característica ainda presente da “Teoria da Modernização” na formulação do seu conceito, em pleno século XXI, ou apenas uma tipologia simbólica para delinear certos perfis de gestão ou de lideranças de cunho carismático, com forte adesão popular. Não se sabe ainda, diante da contemporaneidade do estudo sobre o fenômeno “neopopulista”, aplicado a determinadas lideranças, até que ponto se dá a amplitude desta conceituação, ainda imprecisa e com um limite bastante volátil, por vezes, retornando a conceituações anacrônicas sobre o conceito de “populismo” anterior à década de 1960. As demandas sociais e os novos paradigmas criados pela pós-modernidade (como, por exemplo, a segmentação das lutas políticas e a extensão da idéia do direito a ser “diferente” e do respeito às diferenças entre os diversos grupos, segmentos “tribos” e “guetos”, com uma feição mais solidarista e cooperativa) ainda dificultam um tanto quanto a aplicação de uma formulação do que seria o “neopopulismo”, com as suas características e aplicações – e com uma releitura daquilo que seria o modelo de Estado e quais seriam as suas atribuições, dentro dos parâmetros democráticos, contemplando todas as questões presentes em pleno início do século XXI. Até que ponto o Estado, dentro do propagado “neopopulismo”, teria uma interlocução maior com os setores populares e até que ponto os políticos com maior apoio popular teriam condições de respeitar os parâmetros democráticos e não confundir a sua imagem com a do Estado?


Enfim. Questões como esta açambarcam não somente as discussões de teor acadêmico, mas estende-se ao imaginário político, presente nas agremiações político-partidárias e no confronto político entre lideranças e instituições representativas. Permeia, inclusive, nos diversos setores da sociedade civil esta discussão sobre os avanços e recuos da democracia liberal, inclusive sobre a discussão do que seria a cidadania e até aonde ela seria aplicada com eficácia. Outros, de forma cética, descrêem no uso da cidadania e da utilidade plena das instituições democráticas, onde estaríamos fadados à “maldição do populismo”, ainda em pleno século XXI, com imagens ligadas à manipulação dos líderes sobre as massas, retórica messiânica, personalismo, mal-caratismo dos dirigentes políticos, corrupção institucionalizada e cooptação de lideranças populares para a manutenção do “status qüo”. Moralidade político-administrativa, reforma política, dentre tantas outras proposições tem sido expostas para aperfeiçoar a democracia, contra as mazelas de uma possível “frágil” estrutura organizacional dos poderes executivo, legislativo e judiciário. No entanto, somente este debate somente terá uma maior eficácia com uma inserção maior dos diversos segmentos sobre qual projeto de sociedade e de país que se quer, juntamente com os sistemas político-partidários e até que ponto tais lideranças políticas emergentes, dentro do cenário democrático, exercerão com eficácia seu projeto de sociedade.







Bibliografia



ABREU, Alzira Alves de... [et al.]. Ed. rev. e atual. Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, 5 v.


BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 12ª ed., 2004, 2 v.


CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.


FERREIRA, Jorge (org). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.


WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

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