domingo, 28 de março de 2010

1° Encontro da JS/PDT de Itaguaí com o Vereador Abelardinho PDT Itaguaí-RJ


O encontro aconteceu no último dia 27/02 , estavam presentes o presidente da JS/PDT de Itaguaí-RJ e vice-estadual da região costa verde Anderson Silva, Renatinho Barbosa, Robson, Alex, Luis Paulo, Roberto e o Vereador Abelardinho, foram discutidos os seguintes assuntos: O crescimento da Juventude no Município, eventos, fortalecimento do movimento estudantil e a parceria da JS/PDT Itaguaí com o Vereador, que disponibilizou sua estrutura em favor dos jovens do município.

Curso de capacitação politica da JS/PDT

“A função de um partido político não é cultivar a história, mas fazê-la.”


“Nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo; nosso problema é criar uma mentalidade social para realizar o programa que defendemos.”


Alberto Pasqualini



“A velha democracia liberal e capitalista está em franco declínio porque tem fundamento na desigualdade. A ela pertencem vários partidos com rótulo diferente e a mesma substância. A outra é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me filio.”


Getúlio Vargas



“Escrever a história de um partido significa... escrever a história geral de um país a partir do ponto de vista monográfico, pondo em destaque um seu aspecto característico.”


Antonio Gramsci






APOSTILA DE FORMAÇÃO POLÍTICA
Introdução


* Wendel Pinheiro



Para compreendermos o histórico do trabalhismo brasileiro1, é necessário entendermos, a partir do contexto político, sócio-econômico e cultural, as condições preliminares para o surgimento do trabalhismo, na condição de uma nova corrente política brasileira. Saber, sobretudo, a partir de uma breve historicidade do Trabalhismo, quais foram os fatores influenciadores que deram a ele uma peculiaridade maior, frente a outros movimentos de cunho social-democrata (o trabalhismo europeu – através do trabalhismo inglês e da social-democracia alemã, por exemplo), juntamente com a atuação dos atores sociais, dentre as diversas correntes políticas em enfrentamento e os demais segmentos significativos da sociedade brasileira.


Partindo-se desta compreensão, o enfoque maior será feito a partir da escolha da análise temporal, desde o final da década de 1910 – com a ascensão dos movimentos operários sob a hegemonia do anarco-sindicalismo – até a consolidação do Partido Democrático Trabalhista, no início da década de 1990.


Mais que uma mera apostila de formação política acerca dos primórdios históricos do Trabalhismo, este material servirá como um guia maior para o entendimento da História do Brasil Contemporâneo. Neste ponto, o Trabalhismo se funde com a história de lutas do povo brasileiro, em diferentes marcos e etapas do processo histórico nacional, entre avanços e recuos nos direitos políticos e sociais.


Entender o Trabalhismo com este propósito é compreender, de forma autocrítica e madura, o papel que esta linha pode exercer, enquanto projeto político para o país. É combater as tentativas de outros segmentos políticos em alijar os trabalhadores dos processos decisórios na política nacional. É defender os direitos sociais e políticos que os mesmos trabalhadores obtiveram, a custa de lutas, embates e alternativas, na busca de manutenção e/ou de ampliação de direitos, exercendo a prática da cidadania – tal postura omitida diante da hegemonia da globalização (com a linha econômica neoliberal) e do pensamento pós-moderno.

O Brasil no final da Primeira República2



O Brasil passava, ao final da I Guerra Mundial (1914-1918), por um processo singular de industrialização3. Com a criação e a expansão de industrias, aliada à grande leva de migração estrangeira a partir das duas últimas décadas do século XIX, começa, por conta de uma nascente classe operária, a ser impulsionado o movimento sindical, em um curso gradual e progressivo. Um movimento que, gradativamente, gerará facções políticas no interior do operariado, apontando estratégias para a eficácia na obtenção dos direitos sociais.


Por conta do crescimento, ainda que tímido, do processo industrial brasileiro, frente a uma economia agrário-exportadora (com a hegemonia do setor agrário mercantil paulista e mineiro) e a ausência de uma legislação trabalhista4 capaz de atender as demandas de um operariado em formação, surgem movimentos no meio do segmento operário, com o intuito de reivindicar melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores, através da regulação do trabalho laborativo. Dentre tais exigências, se encontravam a diminuição de jornada para 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) semanais, o auxílio-maternidade e a licença para as gestantes, a proteção para as mulheres e crianças, a criação legal de um fundo previdenciário e a proteção às viúvas e idosos, dentre outras reivindicações pertinentes à relação patronato-empregado.


Desta forma, por conta de uma massa trabalhadora urbana nascente e pela existência de uma leva substancial de imigrantes na região Centro-Sul do país (em especial, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo), eram grandes os conflitos entre os nacionais e os estrangeiros pela procura de empregos. Por exemplo, no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX, os proprietários de casas comerciais e dos ramos imobiliários e de transportes eram de ascendência portuguesa. Estes concediam emprego aos seus compatriotas, em prejuízo dos demais brasileiros5, gerando, assim, graves conflitos de cunho xenofóbico de brasileiros à comunidade lusa e, em alguns pontos, estendida aos imigrantes espanhóis (em São Paulo, vale associar as tensões nas relações de trabalho aos conflitos diretos entre brasileiros e imigrantes italianos).


Dentro do Movimento Operário, até o início da década de 1920, existiam duas fortes correntes que disputavam a sua hegemonia: os reformistas (os chamados “amarelos” – incluindo-se, no meio, os positivistas sociais) e os anarquistas, por meio do anarco-sindicalismo. O grupo associado ao anarquismo negava qualquer diálogo com o Estado e não o legitimava politicamente (ao acusá-lo de trazer privilégios a setores minoritários privilegiados, violando os direitos da maioria). Organizava-se em sindicatos ou núcleos de fábricas, com o objetivo de implodir o estado capitalista. Para os anarquistas, a criação de uma Greve Geral desestabilizaria o capitalismo e, por conseqüência desta ruptura, surgiria ulteriormente uma sociedade anarquista. No entanto, os reformistas, em oposição aos anarquistas, defendiam uma maior participação nos canais abertos que a democracia pré-1930, embora limitada, permitia, ao se inserirem nas instituições democráticas como o Congresso, por exemplo, e atuar em frentes, com o sentido de conquistar amplos setores sociais afins, na busca dos direitos sociais. Todavia, dentre eles, muitos positivistas, influenciados pelas idéias de August Comte, através do Positivismo Social, proporão, como concepção de cidadania, a aquisição dos direitos civis e sociais aos trabalhadores, contudo, sem eles obterem os direitos políticos. Assim, para os positivistas sociais, um Estado forte, centralizador6 e bem orientado ao progresso teria que, em uma “ação iluminada”, incluir os trabalhadores em um papel significativo na sociedade, dignificando-os. A dignidade residiria, então, na melhoria das condições de vida do trabalhador, através da extensão da educação primária aos indivíduos e da proteção à família e ao trabalhador. Dentre outras reivindicações, estariam a estabilidade do trabalhador após um período fixo de serviço, o direito às férias, o descanso semanal, a aposentadoria e outros benefícios de cunho nitidamente trabalhista.


Dentre esta disputa, os anarquistas terão um peso maior. As greves de 1917, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, em 1918, mostram o peso de um movimento que, embora vindicativo – sob a égide do movimento anarco-sindicalista –, tinha as suas limitações, por conta da contradição presente na prática ideológica anarquista, entre a conquista do espaço político e o não reconhecimento do Estado, além da negação ideológica do confronto político por seus partidários e adeptos (a prática da “ação direta”).


Com tais limitações e com o êxito da Revolução Russa (1917), por meio da criação e do avanço dos movimentos socialistas, juntamente com a criação da III Internacional Socialista (a Comintern), surge, no seio do anarquismo brasileiro, um conjunto de lideranças operárias que, simpáticos com os rumos da Revolução Russa e insatisfeitos com as contradições existentes nos projetos e ações dos movimentos anarquistas, criam o PCB no final de março de 1922, no Rio de Janeiro.


A partir da criação de um Partido7 que representasse os trabalhadores e que pudesse ter o papel de “vanguarda da classe operária” – criando as condições para o avanço deste segmento na construção de um Estado Socialista –, o PCB disputará o operariado com o movimento anarquista e, gradativamente, terá êxito (mesmo sob pressão do Estado de Sítio com o Presidente Artur Bernardes, entre 1922 e 1926).


Outras alterações podem ser destacadas, no sentido de transformação dos marcos implementados pela Primeira República, sejam nos acordos políticos entre as oligarquias, seja no processo eleitoral. O pacto criado entre as principais oligarquias do Brasil (a paulista, por ser a maior produtora de café, e a mineira, por Minas Gerais, naquele momento, ter o maior colégio eleitoral) criou a “política do café-com-leite” que, ao estar reduzida a pactos locais, entre as elites paroquiais (daí o surgimento de caciques locais, chamados de “coronéis”8) e os demais políticos de expressão regional e/ou nacional, criariam distorções no âmbito eleitoral.


Da mesma forma, surgiram – por conta da ausência de regras definidas no campo eleitoral – as manipulações eleitorais, através do voto de cabresto e do voto de bico de pena9. O voto era descoberto e não existia o controle dos votos, podendo ser facilmente manipulável o resultado. Embora o sufrágio fosse universal (conforme a Constituição de 1891, com a extensão do voto aos indivíduos alfabetizados do sexo masculino10 e acima de 21 anos), o caráter excludente da eleição, somado à violência11, fazia com que o pleito fosse esvaziado, caracterizando, passivamente, o protesto de uma grande parcela que, avessa a tais práticas, abstinha-se do direito de votar e de influir no processo eleitoral.


Assim, nos grandes centros urbanos, com o surgimento do Movimento Tenentista e a ampliação da voz dos setores médios da população, criam-se vozes alternativas contra a situação vigente. Desde a Campanha Civilista – promovida por Rui Barbosa nas eleições de 1910 e passando por outros processos eleitorais conturbados, como o da sucessão presidencial em 1922 –, começou a ser proposto um projeto de perfil liberal mais avançado. Propunham como bandeiras a moralização das eleições – com a criação do voto secreto, direto e universal – e evocavam para si uma maior participação nos rumos políticos do Brasil, em contraposição ao pacto oligárquico entre as principais correntes oligárquicas (São Paulo e Minas Gerais) e as oligarquias satélites.


Entre os setores militares da baixa oficialidade, através do Tenentismo, embora eles se baseassem em uma proposta de sociedade de viés corporativista e de um governo de solução autoritária, havia pontos de consonância nas propostas destes militares com os setores médios e com a população em geral. Propugnavam para si a mudança do sistema político vigente por meio das armas, exigindo também a moralização do voto e a participação maior na política nacional. Aos setores populares, os “tenentes” chegavam a defender alguns postulados, como a jornada de 8 horas diárias e a criação de legislações de cunho social que protegessem os direitos dos trabalhadores.


Outro componente para desgastar a Primeira República, no campo cultural, se fez em São Paulo, no final de fevereiro de 1922, com a realização da Semana da Arte Moderna. Embora já houvesse rupturas, na tentativa de criar manifestações artísticas de cunho nacional (sem qualquer influência dos moldes europeus – em especial, o francês), através do Pré-Modernismo, isto tornar-se-ia com maior intensidade, com a negação de uma “imposição” demonstrada por uma elite aristocrática em apresentar as produções literárias, musicais e estéticas influenciadas pelo modelo europeu. A quebra de paradigmas no campo cultural, em um local simbolicamente representado por São Paulo, traria marcas que influenciariam, em médio prazo, o desgaste da Primeira República.


Por fim, após a Revolta Tenentista, com “os 18 do Forte”, em 05 de julho de 1922, e a criação malograda da “Coluna Prestes” (em meados da década de 1920), poderia indicar que, mesmo com a sociedade brasileira em transformação, estes passos seriam dados de forma lenta. Lenta, se não ocorresse a Crise da Bolsa de Valores em Nova Iorque, em 1929, gerando sérios entraves à economia brasileira, baseada na exportação do café aos principais mercados consumidores (em especial, aos EUA). Somado a isto, a eleição presidencial de 1930 (através da disputa entre a chapa governista de Júlio Prestes e a Aliança Liberal12 de Getúlio Vargas) trouxe os ingredientes necessários para a explosão da Revolução de 193013, debelando fragorosamente a oligarquia paulista. Destarte, por meio de uma Junta Militar Provisória, Vargas, com todos os poderes conferidos, assumiria a Presidência, no final de outubro de 1930.



O Primeiro Governo Vargas (1930-1945)



Governo Provisório (1930-1934)



Após a sua vitória, por intermédio da Revolução de 1930, com um forte respaldo popular, Getúlio Vargas implementou uma série de medidas capazes de trazer impacto ao país. Uma delas, no que tange ao impasse frente à crise econômica, se fez com a compra de café excedente pelo governo e a queima posterior de sacas de café, tendo em mente garantir a proteção do principal produto brasileiro para a exportação.


Da mesma maneira, para evitar o processo eleitoral fraudulento e assegurar a lisura nas eleições, Vargas cria a Justiça Eleitoral em 1931. O Governo Provisório assegura, em seu raio de ações, a existência do voto secreto e direto. Ainda em sua gestão (consolidada pela Constituição de 1934), é consagrada a extensão dos direitos políticos à mulher (tanto ativo, no que tange ao direito de votar, quanto passivo, no que concerne ao direito de ser votada). Extinguem-se os partidos políticos regionais (presentes na Primeira República) e, em consonância ao postulado corporativista de Getúlio Vargas, os diversos setores da sociedade estarão representados na Assembléia Constituinte (dentre eles, as mulheres e o movimento sindical).


A prática das linhas demarcadoras do positivismo social influi nos rumos de uma política estatal voltada aos trabalhadores. Não se negam as lutas, ainda que frágeis, do movimento operário pré-1930. Estas lutas tinham como mote as demandas diretas aos trabalhadores, em consonância com os postulados do positivismo social. O que diferiria seria a estratégia para a conquista dos direitos sociais. Vargas, então, cria o MTIC (Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) em novembro de 1930, cognominado então, naquele período, como o “Ministério da Revolução”, dado o grau e o avanço da inserção promovida pelo Estado aos trabalhadores, onde o governo estaria bem mais presente, ao regulamentar a relação entre o patronato e os empregados.


No sentido de assegurar os direitos sociais ao trabalhador, Vargas cria a Lei dos 2/3, cujo objetivo seria garantir a presença maciça de brasileiros nas empresas. Consistia que 2/3 das empresas fossem constituídas de trabalhadores brasileiros, em detrimento dos demais estrangeiros, assegurando a nacionalização do trabalho e a correção das distorções sociais promovidas na Primeira República, por conta da ausência de uma legislação clara que pudesse proteger o trabalhador nacional14.


Outrossim, o conteúdo corporativista de Vargas, em proteção ao trabalhador, estaria presente com a criação das normas de sindicalização, onde se criariam as associações por ramo de produção econômica, sem que cada ramo tivesse outro sindicato (criando as condições para a criação da tese de unidade sindical). O decreto 19770, em março de 1931 (no papel de lei de sindicalização), reconhecia o surgimento dos sindicatos, desde que estes fossem reconhecidos pelo Estado, sendo fiscalizados pelo MTIC. Assim, os benefícios trabalhistas advindos do governo somente seriam usufruídos por aqueles que integrassem os sindicatos reconhecidos oficialmente pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, isolando e enfraquecendo as tentativas da criação de sindicatos paralelos pelas correntes operárias em oposição ao Governo Provisório de Vargas15 e legitimando o apoio dos trabalhadores às práticas estatais de proteção ao trabalho. No entanto, a mesma lei apresentaria restrições às funções dos sindicatos16, limitando-as a serem colaboradoras do poder público no seu papel consultivo, vedando a propaganda de ideologias políticas.


Mais tarde, com a criação da Assembléia Nacional Constituinte17, em 1934, com a existência de cadeiras no Congresso por categorias existentes na sociedade (incluindo-se, assim, os trabalhadores sindicalizados), há um aumento no número de registro de sindicatos, ao aderir o projeto estatal, por conta da pressão das bases sindicais às lideranças combativas e independentes no meio operariado. Vargas, por meio deste método, consegue implementar a sua linha política voltada aos trabalhadores18, contra a oposição do patronato19 de um lado e, por outro, do conjunto de lideranças operárias independentes e de oposição ao Governo Provisório. A legitimidade política e o reconhecimento dados pelos trabalhadores – a partir do processo crescente de sindicalização – promovem a linha que, mais tarde, com a criação da CLT, apontaria para a consolidação das práticas governamentais que dariam linhas ao novo corpo ideológico na cultura política brasileira, denominado de trabalhismo.


A saída da oligarquia paulista do poder, em 1930, provocara nela um sentimento de revanche, frente ao Governo Provisório. A demora pela não convocação imediata de Vargas por uma Assembléia Constituinte e as seguidas nomeações do Governo Federal aos interventores paulistas, sem qualquer margem de escolha pelos próprios paulistas, criaram condições para a eclosão de uma Revolta Constitucionalista. O isolamento e a derrota contundente do Movimento Constitucionalista pelas tropas leais ao governo fizeram, por outro lado, que aumentasse as demandas da sociedade pela criação de uma Assembléia capaz de alterar pontos da Constituição de 1891.


Dentre os avanços contidos na Constituição de 1934, podemos citar:


A extensão do voto às mulheres;


A organização da Justiça Eleitoral20;


A intervenção do Estado em assuntos de política econômica e social (neste último campo, o Estado protege o direito dos trabalhadores e a educação torna-se consagrada como um direito social);


A instalação da Justiça do Trabalho (fora do âmbito do Poder Judiciário) e a criação de juízes classistas;


A introdução do Mandado de Segurança, no campo dos direitos e das garantias individuais;


O aumento na receita dos municípios.



Governo Constitucional (1934-1937)



Após a consolidação de Getúlio Vargas na Presidência da República e com a implementação efetiva do Estado de Direito, este período seria marcado por grandes conturbações políticas. Conturbações que atingiriam em cheio o cenário político brasileiro. Na conjuntura política mundial, por conta da crise de 1929, os demais governos de cunho liberal-democrata foram substituídos por governos de linha intervencionista21, autoritária ou, por vezes, totalitária22. A impotência dos Estados de viés democrático em resolver os graves problemas econômicos (com elevados índices inflacionários e a perda acelerada do poder de compra e do nível de vida) recrudesceu os movimentos políticos extremistas, nos campos da esquerda (os movimentos comunistas europeus – de linha stalinista e trotskista) e da direita (a ascensão do totalitarismo nazi-fascista e dos seus congêneres de viés político autoritário), produzindo fortes tensões sociais e radicalizações políticas.


No Brasil, mesmo com a implementação da Constituição de 1937, não deixaria de existir os dois pólos distintos. Um, de extrema direita, inspirado pelo fascismo italiano, seria o Movimento Integralista, liderado por Plínio Salgado, institucionalizado através da AIB (Ação Integralista Brasileira). Esta organização pode ser considerada como o primeiro partido nacional de massas no campo da direita, tendo o seu auge entre meados até o final da década de 1930. O outro movimento, de extrema esquerda, sob a liderança do PCB, liderada por Luís Carlos Prestes, tornava-se presente com a ANL (Aliança Nacional Libertadora), contendo, entre seus componentes, comunistas, socialistas e democratas.


O nacionalismo de direita e de cunho fascista da AIB, dadas as peculiaridades histórico-culturais e políticas brasileiras, tinha alguns componentes ideológicos23. Dentre eles, estaria a oposição ao sistema vigente, combatendo os adversários principais: o capitalismo internacional24, o liberalismo, o judaísmo25 (com o seu “caráter apátrida”), a maçonaria (com suas sociedades secretas) e o socialismo. Embora defendessem um Estado de caráter corporativista e o retorno aos ideais de cunho medieval (a idéia de família, corporações e unidade política local), este Estado deveria ser integral, em uma estrutura de cunho organizacional autoritário e numa proposta nacionalista de extrema-direita, onde o Estado é o princípio e o fim do mundo integralista. O ideário integralista, similar ao nazi-fascismo, tinha um caráter expansionista, uma vez que o integralismo não se contentaria em consolidar seu ideário ao Brasil, mas também em expandir à América do Sul26. Da mesma forma, este movimento possuía um caráter antiimperialista, no sentido que o imperialismo inviabilizaria a implementação de um Estado Integral.


No entanto, a ANL27, originada em março de 1935, compunha-se de intelectuais, militares, proletários e profissionais liberais. Tinham como eixo ideológico a oposição contra qualquer tipo de imperialismo e a luta contra o latifúndio e o fascismo – este movimento em franca ascensão na década de 1930. As greves operárias reivindicatórias por melhores condições de vida, somadas ao combate contra o totalitarismo em expansão, foram os vetores propulsores à criação e ao crescimento da ANL, na qualidade de frente popular28, contando com o apoio dos “tenentes” de esquerda, ao lado de socialistas e comunistas. Como bandeiras da ANL, eram defendidas a proteção aos pequenos e médios proprietários e lavradores, além da criação de uma constituição genuinamente popular e da ampliação das amplas liberdades públicas e individuais. Exigiam o atendimento das reivindicações operárias29, a separação entre Igreja – Estado e o fim de qualquer forma de discriminação por conta de raça, cor ou nacionalidade. Defendiam a nacionalização das empresas estratégicas, a cumprir seu serviço público, e de outras empresas que não coadunassem com os propósitos revolucionários da ANL.


Seja como for, as inquietações e as agitações sociais e políticas presentes nesta conjuntura política, com os embates em torno da radicalização entre o movimento integralista e o aliancista – junto com a aceleração das propostas em torno da introdução da Lei de Segurança Nacional (LSN), no final de janeiro de 1935 – criaram as condições para que Getúlio Vargas se utilizasse desta lei para fechar a ANL em julho de 1935. Ainda assim, a tentativa de reação dos comunistas a Getúlio redundou no fracasso do levante de novembro de 1935, facilmente abafada pelo governo. Inúmeras prisões atingiram não somente os adeptos da ANL, como os seus simpatizantes e demais correntes de esquerda que sequer participaram efetivamente da Aliança (como, por exemplo, os trotskistas e os anarquistas). Assim, a Revolta Comunista de 1935 traria o pretexto necessário para o endurecimento do regime e à continuidade de Vargas30 em implementar o seu projeto político, com um forte conteúdo corporativista, estatizante e imbuído dos preceitos presentes no positivismo social. Nenhum movimento extremista, desta forma, competiria em condições de igualdade com o governo (mais tarde, a AIB, em oposição a Vargas, tentaria em 1938, com fracasso, aplicar um putsch, através de um atentado ao Palácio Guanabara, gerando, por conseguinte, o fechamento da AIB, a prisão e o exílio dos demais dirigentes e membros destacados do movimento integralista).



Estado Novo (1937-1945)



O acirramento político entre os grupos políticos de extrema-direita e esquerda a nível internacional encontrava eco também no Brasil. Como foi citado nos itens anteriores, a falência de um Estado de cunho democrático-liberal31 e a implementação de regimes autoritários ou totalitários seriam traços marcantes no decorrer do final da década de 1920 a meados da década de 1940.


No Brasil, houve o fechamento da ANL em 1935 e a perseguição do governo Vargas aos setores ligados a esta organização. Ainda assim, com os diversos tensionamentos entre grupos de esquerda e grupos pró-fascistas (por meio da AIB), há as eleições no ano de 1937, mesmo em meio a práticas de “políticas de exceção” colocadas pela gestão de Vargas, sobre a ANL e em grau gradativo à AIB32. Entre os aspirantes à campanha presidencial de 1937, encontravam-se Armando Sales, pela União Democrática Brasileira (UDB, como oposição liberal a Getúlio) e José Américo de Almeida (pró-Vargas33, a princípio; posteriormente tornou-se oposição ao Presidente).


À medida que radicalizava o processo eleitoral, Vargas ficava cada vez mais isolado politicamente, uma vez que seu aliado inicial, José Américo, passa a fazer críticas contundentes ao suposto “golpismo” de Vargas, perdendo, assim, apoios significativos e de peso para o candidato de oposição, Armando Sales. Este, com um discurso mais conciliador e moderado, condenava os extremismos de esquerda e de direita e, por sua vez, defendia um governo constitucional, segundo os parâmetros republicanos e democrático-liberais. Vargas, então, já em meados de setembro, no prolongar da campanha presidencial, considerava a falência das instituições democráticas – por conta da sua linha positivista-social e corporativista – e colocava, como solução maior, a reforma radical da Constituição de 1934 e a criação de um novo regime34.


Posteriormente, a partir da divulgação do fictício “Plano Cohen” onde, por meio dela, um suposto judeu comunista chamado “Cohen” estaria a articular um movimento comunista internacional que subverteria a ordem e as instituições do Estado, Vargas aprova em 1º de outubro de 1937, por meio da Câmara e por ampla maioria dos parlamentares (138 votos a favor contra 52), o “Estado de guerra” em todo o território nacional, perseguindo, então, todas as lideranças hostis ao Governo Vargas. Inevitavelmente, com o recrudescimento dos movimentos de extrema direita e esquerda e com as repercussões no meio da sociedade civil, Vargas, em 10 de novembro de 1937, implementa o Estado Novo, de viés corporativista e com elementos de cunho autoritário que caracterizaram o seu regime estadonovista.


Dentre as características da Constituição de 1937, após a implantação imediata do Estado Novo, estavam, a saber:


A ampliação dos poderes do Presidente da República em nomear interventores e/ou confirmar a eleição dos governadores eleitos;


Dissolução do Congresso, das Assembléias Estaduais e das Câmaras Municipais;


Visão de uma maior centralização política e de uma visão antiliberal de organização da sociedade, por meio do ideário corporativista e intervencionista;


Proibição de bandeiras, hinos ou escudos das unidades da federação (isto é, os estados);


Suspensão das liberdades civis;


Os partidos e as agremiações políticas foram dissolvidos;


Incorporação dos direitos sociais aos trabalhadores conquistados a partir de 1930, com o Governo Vargas;


Proibição de greves.


Em suma, havia elementos na Carta de 1937 que configuravam o “Estado Novo”35 como um “Estado de Exceção”, sem contudo, caracterizar-se tal regime conforme as linhas tradicionais do autoritarismo ou do totalitarismo nazi-fascista, mas como um verdadeiro corporativismo estatal36 ou um nacional-estatismo.


Para consolidar a máquina estatal, sem o nepotismo e o clientelismo político caracterizado na Primeira República (1889-1930), Vargas moderniza o aparelho estatal, por meio da criação, em 1938, do Departamento Administrativo de Serviço Público (DASP) e, no ano seguinte, do Estatuto do Funcionalismo Público, criando regras para um funcionamento eficaz do funcionalismo público e da máquina administrativa, com a admissão de novos funcionários por intermédio de concursos públicos. Tal ação derrotou, a princípio, o “mandonismo”, o “particularismo”, o “nepotismo” e as instabilidades de ordem administrativa presentes na Primeira República. Por outro lado, a valorização da técnica reforçava os itens do corporativismo varguista, por meio da autonomia estatal e do não-reconhecimento dos princípios básicos da democracia-liberal (consulta popular, funcionamento do Poder Legislativo para a aprovação de ações do Poder Executivo).


Essas ações resultariam no papel privilegiado que o Estado reservava para si, no intuito de trazer benefícios à sociedade em geral, com a criação de autarquias, institutos, órgãos, conselhos e empresas estatais estratégicas. Para os trabalhadores, o reconhecimento dos sindicatos atrelados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a defesa do direito destes pelo Estado Novo passam a ser a tônica não apenas da retórica ideológica, mas da prática da Era Vargas.


Ainda, mesmo em meio à crise da democracia-liberal, Vargas, após consolidar o seu poder, amplia o seu grau de coerção contra os demais movimentos extremistas de direita, inclusive com os grupos de viés nazista existentes no Rio Grande do Sul. Após a dissolução de todos os partidos e agremiações em 02 de dezembro de 1937, a AIB, mesmo com a tentativa frustrada em transformar-se na Associação Brasileira de Cultura, passa a ser oposição sistemática a Getúlio. Tais posturas se intensificariam, a ponto de tentarem reagir à repressão policial posta ao governo contra o movimento integralista. Plínio Salgado, então líder eminente da recém-extinta AIB, articula os preparativos para o putsch, realizado em 11 de maio, com a tentativa malograda de atentado ao Palácio Guanabara – residência de Vargas e de sua família.


Debelando o movimento integralista, Vargas ampliou a repressão aos seus opositores liberais e integralistas, gerando incômodos cada vez maiores nas relações diplomáticas frente às embaixadas da Itália e da Alemanha, uma vez que existiam membros da extinta AIB que, além de alinhados ao nazi-fascismo, tinham graus de parentesco significativos oriundos dos países do Eixo. Pouco-a-pouco, Vargas teria uma associação gradual com os países de cunho democrático e antifascista, no decorrer da recém surgida II Guerra Mundial (1939-1945). Isso se daria com a entrada posterior do Brasil na guerra, em 1942, na aliança com os Aliados (EUA, URSS, França e Inglaterra) e o envio de tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) em 1944 para a Itália.


No campo da construção da cidadania aos segmentos marginalizados da sociedade até então, o Estado Novo de Vargas teve um valor significativo, com a postura em dignificar o trabalhador e tornar este o alvo privilegiado de suas ações e dos seus discursos. Diferentemente das interpretações que tentam minimizar a postura do Estado Novo em relação aos trabalhadores – em uma interpretação desta experiência histórica como “a manipulação maquiavélica de Vargas e dos dirigentes do Ministro do Trabalho sobre as vítimas impotentes, os trabalhadores” – há novas visões historiográficas sobre o Estado Novo, mostrando a dimensão histórica da expansão dos direitos do trabalho e da expansão da cidadania, dentro dos marcos institucionais do reconhecimento estatal do trabalhador à altura do direito à cidadania, com práticas e gestos que o privilegiassem como a razão maior do regime estadonovista, cumprindo assim os postulados do positivismo social, na integralidade das ações políticas de Vargas.


Em torno dos marcos do Estado Novo, cria-se uma série de ações em torno dos trabalhadores. Desta forma, já é criada em 05 de maio de 1939 a Lei Orgânica da Sindicalização Profissional, no intuito do Governo controlar com maior eficácia os sindicatos, em torno do Ministério do Trabalho. Somando-se a isto, a criação do imposto sindical 37 fazia com que o poder público assegurasse a contribuição para o sindicato dos trabalhadores empregados formalmente, mesmo que este indivíduo não quisesse se associar – um dia de trabalho seria descontado do seu salário para ser revertido aos sindicatos. Embora, a princípio, algumas lideranças sindicais expressivas pudessem acatar com resistência ao imposto sindical (juntamente com grande parcela do patronato), isto mostraria brevemente que o uso da verba do imposto pelos sindicatos seria um instrumento de luta para o melhor funcionamento da estrutura sindical – inclusive no período de experiência democrática, a partir de 1946, com a continuidade do imposto sindical e da utilização da verba feita pelos sindicatos trabalhistas e comunistas.


Entretanto, mesmo com o aparelhismo estatal em torno dos sindicatos, vale notar que estas organizações, para manter ou avançar as reivindicações da classe trabalhadora (e das suas respectivas categorias), em franca formação e expansão (por meio da migração rural de consideráveis contingentes aos grandes centros urbanos do país), utilizaram-se de um discurso pró-trabalhadores efetivado pelo governo e demais dirigentes do Ministério do Trabalho para lutarem38 pelos seus direitos sociais.


Coroando o compromisso do Estado Novo com os trabalhadores, por meio da ampliação dos direitos do trabalho, em 1º de maio de 1940, Getúlio Vargas anuncia o estabelecimento da Lei do Salário Mínimo aos trabalhadores urbanos, extirpando a prática aleatória de acréscimos ou descontos contínuos aos trabalhadores pelo patronato sem qualquer legislação que obrigasse aos donos de indústria, comércio e demais estabelecimentos a pagar um valor determinado ao empregado.


O comprometimento maior do Estado Novo com os trabalhadores se ampliaria com a criação definitiva da Justiça do Trabalho, em 1º de maio de 1941, tendo em vista a administração dos conflitos entre patrões e trabalhadores39. Assegurando mais os avanços da luta dos trabalhadores e o ideário varguista, presente mais tarde com a ideologia trabalhista (consolidada com a fundação do PTB em 1945), foi reunida toda a legislação trabalhista na Era Vargas através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 1943, regendo a relação entre empregador – empregado.


No sentido do Estado Novo dignificar o trabalhador, foi consolidada a carteira de trabalho (criada em 1932), no intuito de garantir a identificação do trabalhador, sendo um marco para a história social do país. A associação da idéia de cidadania, através da obtenção da carteira de trabalho pelo trabalhador, marcou a valorização do trabalho e do indivíduo, na condição de construtor do país por meio do seu trabalho. O discurso governamental estadonovista privilegiava os trabalhadores como seus os interlocutores privilegiados– sem outro momento similar da História Republicana do Brasil. O diálogo do governo com a classe trabalhadora seria feito por meio dos comícios ou eventos do Estado Novo, por meio das mensagens de Vargas diretamente destinada aos trabalhadores, ou mesmo com as comunicações radiofônicas de Getúlio Vargas ou do Ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Filho (entre janeiro de 1942 e julho de 1945), com a recém-criada Hora do Brasil.


Tal eficácia na condução da extensão dos direitos do trabalho e a ampliação da cidadania aos setores mais excluídos explicariam o porquê – mesmo com as tentativas de golpe a Vargas (por meio do processo de redemocratização em 1945) pelos setores oposicionistas – da adesão dos trabalhadores e do então proscrito Partido Comunista do Brasil, o PCB40 (por meio de sua figura central, Luís Carlos Prestes), através do movimento queremista (o predecessor do surgimento do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, em 1945). Com a vitória dos aliados na II Guerra Mundial e o êxito dos pracinhas da FEB, não faria sentido a manutenção do Estado Novo, na lógica da oposição liberal a Vargas. O apoio dos trabalhadores varguistas e dos comunistas ao “queremismo” precipitaram as condições para a execução do golpe sobre Getúlio Vargas e a implementação do regime democrático-liberal, com a implementação das eleições para a Presidência da República e para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.


Mesmo com a reabertura do Estado Novo, por meio do processo de redemocratização e a oposição dos setores liberais e intelectuais contra Getúlio, criam-se os partidos políticos, a saber:


PSD (Partido Social Democrático): Partido fundado pelo grupo que manteve o poder durante o Estado Novo, dentre os integrantes da estrutura de Estado e os interventores dos estados – com a máquina político-administrativa – até industriais e setores latifundiários beneficiários da política nacional-desenvolvimentista do Estado Novo. Ao longo do período democrático (1946-1964), o PSD teria um perfil político claramente de centro e com uma forte vocação “governista”, embora tivesse vários quadros fiéis a Vargas, como, Amaral Peixoto, Benedito Valadares, Juscelino Kubitschek e Negrão de Lima. Mais tarde, no campo do PSD, haveria uma dissidência denominada “Ala Moça”, tendo dentre os seus componentes Tancredo Neves e Ulisses Guimarães.


UDN (União Democrática Nacional): A princípio, foi uma confederação de tendências políticas, cujo pólo comum estaria na oposição ao estadonovismo getulista, reunindo desde intelectuais conservadores até socialistas. Com a posterior derrota da UDN nas eleições, com a vitória de Dutra, o setor socialista rompe e cria a Esquerda Democrática que, mais tarde, se transformaria no PSB (Partido Socialista Brasileiro). Continuam, então, os extratos de cunho liberal-conservador que dariam o tom antigetulista de centro-direita, dividindo-se em três grupos: 1) A Banda da Música, o setor mais conservador e radicalmente antivarguista, capitaneado pelo jornalista e, mais tarde, Deputado Federal e Governador da Guanabara, Carlos Lacerda e, tendo, dentro dos seus quadros, ícones como ACM, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro e Jorge Bornhausen; 2) Os bacharéis com um conteúdo de oposição a Vargas, mas sem o radicalismo conservador, composto por pessoas como Bilac Pinto, Magalhães Pinto e Milton Campos, por exemplo; 3) A Bossa Nova como o setor mais progressista do Partido, admitindo até um diálogo com os setores nacionalistas e progressistas, tendo dentre seus quadros José Sarney.


PCB (Partido Comunista do Brasil): Posto na legalidade em 1945, teria seu princípio marxista-leninista, liderado por Luís Carlos Prestes, disputando com o PTB a disputa pela preferência do eleitorado popular. O PCB, mais tarde, em 1947 seria proscrito por Dutra e passaria a atuar na ilegalidade, tendo uma participação ativa ainda no período democrático, até o Golpe Civil-Militar de 1964. Em especial, a partir do Governo de Juscelino Kubitschek (JK), o PCB teria um papel preponderante, atuando na “semilegalidade”, opinando nas questões cruciais na conjuntura política brasileira.


Mais tarde, embora existissem partidos de porte médio, como o Partido Social Progressista (PSP) e o Partido Democrata Cristão (PDC), os partidos acima citados (UDN, PSD e PCB), junto com o PTB – partido que será abordado com maior ênfase –, dariam o tom da linha política no processo democrático iniciado após a queda do Estado Novo, no fim de outubro de 1945, até a eclosão do movimento civil-militar de 1964 e com o surgimento do Ato Institucional nº 2 (AI-2), com a extinção dos partidos políticos.











A experiência democrática (1946-1964)



A criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)41



O processo de redemocratização, através da crise do Estado Novo, obrigava Getúlio Vargas a fazer uma série de medidas no sentido de flexibilizar e agilizar a existência de práticas democráticas tradicionais. Dentre elas, estariam a formação de eleições e a criação dos partidos políticos. A partir do Ato Adicional nº 9, promulgado em 28 de fevereiro de 1945, determinava-se que, a partir de 90 (noventa) dias após o Ato, seria lançado um decreto que teria, em seu teor, a fixação das datas para as eleições presidenciais, estaduais e municipais.


Neste bojo, estariam as condições para a articulação e formação daquilo que constituiria a agremiação trabalhista, por meio da fundação do PTB.


Entre as várias interpretações e versões historiográficas em torno da criação da legenda trabalhista, a historiografia tradicional tem atribuído à inspiração exclusiva de Getúlio Vargas na criação do PTB como um partido que serviria como um anteparo frente ao PCB e que seria o destino da opção dos demais trabalhadores que não aceitariam por um lado a UDN e por outro o PSD. Utiliza-se das declarações de Alzira Vargas do Amaral Peixoto e as interpretações de historiadores de peso e relevância, como, por exemplo, Hélio Silva e Maria Vitória Benevides, ao atribuírem a criação do PTB como um partido que atrairia as massas dos grandes centros urbanos, como uma opção frente ao PCB, na disputa pelo eleitorado popular e pelos sindicatos. Assim, o PTB aproveitar-se-ia da sua formação enquanto partido, através da estrutura do Ministério do Trabalho – organizado por Alexandre Marcondes Filho e de pessoas afins presentes nesta estrutura, como Segadas Viana e Paulo Baeta Neves. O movimento queremista, posteriormente, auxiliaria diretamente na condução dos trabalhadores ao PTB como o “partido de Getúlio”.


Contudo, embora houvesse uma contribuição da estrutura sindical e do seu atrelamento ao Ministério do Trabalho, o fato é que o PTB surge a partir de uma dissidência de setores sindicais até então filiados ao recém-criado PSD, na I Convenção do Partido, em julho de 1945. Este grupo divergente se constituiria na chamada ala trabalhista. Este grupo não ficara satisfeito com os rumos do PSD, cada vez mais afastado do ideário de reformas sociais. Esta mesma ala seria a defensora do movimento queremista, na defesa dos trabalhadores (que teria o apoio, anteriormente citado, do PCB e de Prestes) e da legislação trabalhista criada por Getúlio Vargas. Tinha-se a visão essencial dos saldos positivos do Estado Novo ao Brasil e aos trabalhadores, por meio das proposições do nacionalismo e do trabalhismo.


O fato é que este grupo se afasta das linhas políticas tomadas internamente pelo PSD. Oriundo do Rio Grande do Sul, a Ala Trabalhista, no dia 14 de setembro de 1945, funda o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)42. A nova agremiação trabalhista teve um perfil classista, com a participação de diversas lideranças sindicais – algumas delas, inclusive, presas no Estado Novo e que, ainda assim, criam no projeto do recém-criado PTB para defender as conquistas dos trabalhadores presentes na legislação trabalhista. Como um exemplo disso, estaria um líder sindical gaúcho chamado José Vecchio, Presidente do Sindicato de Carris Porto-Alegrense e Presidente da seção gaúcha do PTB.


Capitalismo humano, anticomunismo, nacional-desenvolvimentismo, trabalhismo, reformismo, solidarismo. Seriam as linhas que conduziriam, a princípio, o PTB, agregando, ainda em sua sigla no ano de 1946, a União Social Brasileira (USB), composta por intelectuais, estudantes e demais profissionais liberais de Porto Alegre. Na liderança da USB, encontrava-se o advogado e teórico Alberto Pasqualini43. Ao incorporar-se ao PTB, ele traria em seu bojo doutrinas de viés reformista, ligadas ao trabalhismo britânico (do Labour Party), a concepção econômica keynesiana e a tese social-cristã da Rerum Novarum, tendo em vista um capitalismo mais justo, distributivo e humano, na conciliação entre o capital e o trabalho.

O PTB e o Governo Dutra (1946-1951)



Após as eleições de 1945, com a vitória do General Eurico Gaspar Dutra (PSD-PTB) sobre o Brigadeiro Eduardo Gomes (PSD) e Yedo Fiúza (PCB), a gestão de Dutra começou paulatinamente a ter um alinhamento político e ideológico maior com os EUA e possuir, em sua ação de governo, um perfil liberal-conservador.


Embora o PTB, a princípio, apoiasse Dutra44 nas eleições, por meio do apoio paradigmático de Getúlio Vargas, a repressão do governo do PSD aos segmentos populares, o congelamento de salários45 e a tentativa de diminuir os direitos do trabalho, conquistados no Estado Novo fizeram com que, pouco-a-pouco, a agremiação trabalhista tomasse uma postura de independência e, mais tarde, em 1947, se posicionasse em uma oposição franca e aberta ao Governo Dutra, cada vez mais associado com a base de sustentação parlamentar entre o PSD, a UDN e partidos menores afins. Esta composição, por sua vez, ao longo de 1946 (definido a partir de dezembro do mesmo ano) até o final de sua gestão, fez com que Vargas rompesse com Dutra e se associasse, nas eleições estaduais de 1947, a candidatos de oposição ao governo federal.


Dentre as ações de seu governo, logo após a criação da Constituição de 1946, com um conteúdo liberal, destacou-se a repressão cada vez maior aos sindicatos, por meio da intervenção direta do Ministério do Trabalho – ao fechá-los ou suspender as eleições e tentar suprimir o direito de greve dos sindicatos. Por outro lado, seguindo coerentemente o primado liberal e a visão pró-EUA, criou o Plano Salte (gastando as reservas de 700 milhões de dólares obtidos na II Guerra Mundial) e, em um ato de confronto ideológico contra a União Soviética (URSS), intensificou a perseguição aos comunistas, promovendo a extinção do PCB46 em 1947, pondo-o novamente na ilegalidade47, com apoio de setores conservadores da UDN e do PSD. A tentativa frustrada do Governo Dutra em tentar incorporar o PTB na base de apoio governamental visava, sobretudo, impedir as tentativas do PTB em incorporar Vargas na posição de um candidato em potencial às eleições presidenciais de 1950.



O PTB e o Segundo Governo Vargas (1951-1954)



Nas eleições de 1950, houve o embate entre Getúlio Vargas (PTB-PSP), Eduardo Gomes (UDN), Cristiano Machado (PSD) e Otávio Mangabeira (PSB). Com o êxito de Vargas, com 48,7% dos votos, a UDN tentou, sem êxito, impedir a vitória de Getúlio, ao interpelar ao TSE, com a tese da “maioria absoluta dos votos”.


A vitória de Getúlio não correspondeu, necessariamente, ao êxito do PTB, na qualidade de partido do governo, mesmo tendo ampliado a sua bancada, de 22 para 51 Deputados Federais e de 2 para 5 Senadores, estando refém das alianças com demais setores para a composição ministerial, dependendo bastante de uma aliança com o PSD – mesmo este partido sofrendo internamente com o embate entre os pessedistas varguistas e os quadros políticos conservadores que já compunham, desde o governo Dutra, uma maior associação com a UDN.


A manutenção de um governo que teria uma oposição virulenta dos quadros parlamentares da UDN obrigaria Vargas a compor com os segmentos populares e sindicais – muitos deles com associação ao proscrito PCB. Assim, quando Segadas Viana ficou como Ministro do Trabalho de Vargas, ao suceder Danton Coelho, praticou uma linha conservadora, ao não dialogar com os sindicatos e tentar manter a linha política de conciliação entre o patronato e os sindicatos. Tal repercussão, aliada aos tensionamentos sociais (como a Greve dos 300 mil em São Paulo) e às divergências internas do PTB, teve uma solução definitiva em junho de 1952, quando João Goulart (Jango) foi empossado Presidente Nacional do PTB na V Convenção Nacional do Partido (cargo que exerceria até a eclosão do Golpe Civil-Militar de 1964). E as tensões agravadas entre o Ministério do Trabalho e os demais sindicatos teriam uma solução definitiva, com a demissão de Segadas e a nomeação de Jango como Ministro, em julho de 1953.


A temática nacional-desenvolvimentista esteve presente na pauta de ações do Governo Vargas. O governo de Vargas coincidiu com a intensificação da Guerra Fria48. Alguns fatores anteriores, presentes no Governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra, influenciaram no alinhamento do Brasil aos EUA – em contraposição à linha socialista defendida pela URSS –, sendo, por exemplo, a postura anticomunista de Dutra através da proscrição do PCB em 1947, a implementação do Plano Salte e a criação de leis que restringiam o direito de greve aos sindicatos. E tais demandas baseadas por conta da Guerra Fria influenciariam diretamente nos rumos do Governo Vargas, seja concernente às demandas sindicais, seja ligado à política econômica e diplomática do país.


Assim, a linha política de Vargas se deu por meio de um projeto de independência nacional – inclusive nos acordos comerciais que o Brasil teve com os EUA (através da Comissão Mista Brasil – EUA). Vargas, com o Plano Lafer, deixava claro o intuito das suas alianças em torno do desenvolvimento auto-sustentável do Brasil, por intermédio da industrialização e na melhoria e ampliação da infra-estrutura nacional em diversos setores estratégicos.


Outrossim, na pauta de uma política nacionalista, estava a proposta de Vargas, por meio de um Projeto de Lei, em dezembro de 1951, para a criação da PETROBRAS – uma empresa estatal de economia mista, com o controle majoritário da União. Dentre as demais atribuições inerentes à PETROBRAS, entrou em discussão a questão referente ao monopólio do Brasil em torno do Petróleo. Esta questão se levantava, uma vez que não havia uma empresa petrolífera brasileira capaz de explorar com eficácia o petróleo brasileiro. Em seu lugar, o trabalho era feito por empresas estrangeiras (em especial, as norte-americanas, como, por exemplo, a Standart Oil). Como não havia no projeto de Vargas a idéia do monopólio estatal do petróleo, originou a discussão deste tema, juntamente com a criação de uma empresa estatal brasileira.


Por conta da concepção nacionalista presente nos demais movimentos sociais e diversos setores da sociedade (UNE49, sindicatos e demais entidades organizadas), compostos por trabalhistas, por militantes do então proscrito PCB e demais setores organizados, surge a elaboração de um discurso nacionalista com viés antiimperialista, por meio de uma retórica antiamericanista. Defendiam a implementação da PETROBRAS, no intuito de assegurar a proteção do petróleo, na condição de riqueza estratégica nacional. Inclusive, a UDN (com a exceção do segmento partidário denominado “Banda da Música”), defensora da participação privada no setor petrolífero, muda de rumo e adere à perspectiva nacionalista, no que tange ao monopólio estatal.


Amplia-se, então, a campanha "O Petróleo é nosso", tanto no intuito de criar uma empresa nacional que explorasse o petróleo brasileiro quanto no sentido de buscar o monopólio do petróleo. Diante das demandas dos movimentos sociais existentes naquele período, em outubro de 1953 é criado a PETROBRAS. No entanto, o monopólio estatal do petróleo só seria alcançado no Governo Jango.


O contexto da “Guerra Fria”, por meio da Doutrina Truman, alcançaria o Brasil, em pleno Governo Vargas. Isso se daria com a divisão de duas correntes claramente explícitas: uma corrente com um projeto de crescimento do Brasil atrelado aos EUA, carreado pela União Democrática Nacional (UDN), e a outra corrente com um projeto nacionalista e progressista, defendido pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pela militância do então proscrito Partido Comunista do Brasil, o PCB (embora os dirigentes comunistas do Comitê Central, a princípio, se opusessem ao Governo Vargas). A UDN, em oposição às propostas de independência nacional – promovidas pelos trabalhistas e comunistas –, associaria o projeto nacionalista como uma forma de "comunização" do Brasil ou da criação de uma "República Sindicalista".


O acirramento das clivagens político-ideológicas traduziria, na prática, com o exercício das práticas denuncistas, onde o Governo Vargas foi acossado por denúncias associadas às práticas de corrupção50. A Tribuna da Imprensa, por intermédio do jornalista udenista Carlos Lacerda, capitalizaria tais denúncias, com o apoio de segmentos da classe média e de militares antigetulistas, contra a linha política nacional-estatista e trabalhista proporcionada por Getúlio Vargas.


Os tensionamentos ficaram mais graves quando Jango, na qualidade de Ministro do Trabalho, após dialogar com os sindicatos, concedeu o aumento de 100% no valor do salário-mínimo. Embora tal fator fortalecesse João Goulart, no sentido de articular o apoio dos sindicatos e reaproximar o PTB aos movimentos sociais, o fato é que tal ação provocou uma grande reação dos adversários udenistas e afins51.


A necessidade dos aliados de Getúlio em silenciar Carlos Lacerda resultou na tentativa de Climério de Almeida, contratado pelo chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, em matar o jornalista. Com o atentado da Rua Toneleiros, em 05 de agosto de 1954, resultando na morte do Major da Aeronáutica Rubens Vaz e no ferimento de Lacerda, a oposição varguista explora o fato, junto com a imprensa oposicionista. Surge, a partir da evolução dos acontecimentos e da exacerbação da oposição udenista, um Inquérito Policial Militar (IPM), em 12 de agosto, promovido pela Aeronáutica - aliada à UDN, denominada como a "República do Galeão", por conta do grau decisório e dos poderes que este inquérito passou a possuir naquela circunstância.


Começou, a partir do prolongar dos acontecimentos, uma forte pressão política de viés civil-militar, pedindo a deposição de Vargas - inclusive resultando no Manifesto dos Generais, em um abaixo-assinado assinado por 30 coronéis do Exército, mencionando sobre a inviabilidade política da continuidade de Vargas à frente da Presidência.


Vargas, pressionado por vários setores e sem o respaldo popular que esperava, comete suicídio pela manhã de 24 de agosto de 1954. A partir da notícia da morte, surgiu uma forte comoção popular que, diante do enfurecimento, depredou jornais e sedes de Partidos ligados ao antivarguismo52 no Rio de Janeiro, Porto Alegre e em outros grandes centros urbanos. O PCB, na qualidade de agremiação partidária ilegal, mudou de posição, passando de “oposição virulenta” a aliado preferencial do trabalhismo varguista53. A UDN passa a ser perseguida, por conta da identificação popular à imagem oposicionista deste Partido a Vargas, e é derrotada nas eleições parlamentares, em 1954, perdendo um número significativo de parlamentares. Em médio prazo, o suicídio de Vargas proporcionou o crescimento da legenda petebista, com a consolidação e a adaptação do discurso e das realizações políticas de Vargas às realidades sociais, políticas e econômicas presentes, além do aumento da sua bancada e do surgimento de novos expoentes políticos como parlamentares e Chefes do Poder Executivo nos diversos estados. E, por fim, em longo prazo, a atitude de Vargas adiou, por 10 anos, a tentativa de um golpe civil-militar encampado pela direita udenista e demais aliados em potencial.



O PTB e o interregno político (1954-1956)



Após a morte de Vargas, com a sucessão de Café Filho, inicia-se uma ação política que privilegiou a ação dos setores antivarguistas, com a articulação entre os grupos conservadores ligados à UDN e ao PSD. Trabalhistas54 e comunistas, por sua vez, se uniam, contra a linha da associação do novo governo com o pró-americanismo.


O PTB, embora fortalecido com a morte de Vargas e por saber ter capitaneado com eficácia o uso da Carta Testamento – como um argumento político auto-explicativo para a legitimidade da linha nacionalista e trabalhista exercida pelo Partido –, não conseguiu, de imediato, transformar este êxito em um ganho eleitoral considerável. Jango perdera a eleição para Senador no Rio Grande do Sul55 (junto com a derrota de Alberto Pasqualini para o Governo do Estado) e o PTB conseguiria ampliar a sua bancada federal em aproximadamente 10% (de 51 para 56 deputados federais). Para o senado, cresceu 60%, de 5 para 8 senadores. Conseguira eleger 3 governadores (Amazonas, Bahia e Espírito Santo).


Mesmo assim, o PTB tornara-se, no imaginário popular e dos seus opositores, como o “partido de Vargas”, tendo como o sucessor do carisma de Vargas, Jango. A UDN seria a maior prejudicada com o suicídio de Vargas, reduzindo a sua bancada, de 84 para 74 Deputados Federais, nas eleições de 1954. Assim a UDN continuaria dividida entre o grupo dos “bacharéis” (baseado nas manobras constitucionais permitidas para impedir qualquer avanço do PTB) e o dos “golpistas”, através da Banda da Música, com a tática de utilizar-se da idéia de utilizar-se da construção de um Estado de Exceção, para sanear a “corrupção” e a “demagogia” dos líderes trabalhistas e sindicais e salvaguardar a democracia brasileira da “ameaça vermelha”.


Em suma, o Governo Café Filho, em seu período curto de atuação (em torno de um pouco mais de um ano de mandato) teria uma condução nitidamente conservadora no campo econômico56. Para a manutenção das alianças políticas, visando à governabilidade, a união da UDN com os segmentos do PSD foi vital para a consecução da linha liberal de seu governo. O aumento substancial do PTB na Câmara dos Deputados não refletiu de imediato o êxito que este partido teria a capitanear com a morte de Vargas, tranqüilizando as lideranças de direita associadas a Café Filho.


Isto estaria bastante manifesta nas Eleições Presidenciais de 1955, com as tensões presentes entre as diversas agremiações partidárias e as dissidências internas presentes nos partidos. As constantes articulações impediram a possibilidade da idéia de uma “chapa única” idealizada pela UDN, com o intuito de neutralizar o potencial dos votos herdados de Vargas. Não havia nomes capazes de integrar e unificar os demais partidos em torno de uma única candidatura, seja pela inexpressividade de alguns nomes ou a não aceitação de outros por determinados partidos.


Enfim, o PSD, em fevereiro de 1955 homologou a candidatura de Juscelino Kubitschek (JK), tendo como vice, pelo PTB, João Goulart, em abril. A criação da chapa JK – Jango incomodaria a diversos setores conversadores udenistas57, uma vez que, encarnando algumas bandeiras do trabalhismo varguista, JK estaria fortalecido na eleição para Presidente e Jango emplacaria como Vice-Presidente, na condição de herdeiro do carisma de Getúlio Vargas. Por sua vez, pela UDN se candidataria o General Juarez Távora; pelo PRP, Plínio Salgado e pelo PSP, Adhemar de Barros.


Agravando a situação, Luís Carlos Prestes, Secretário-Geral do PCB, formulou uma carta, estendendo o apoio da agremiação comunista a Juscelino, desde que este mantivesse as liberdades democráticas, um desenvolvimento nacional amplo e o combate a qualquer forma de imperialismo e de tentativas de cunho antidemocrático.


Seja como for, a instabilidade das eleições de 1955 culminou na tentativa de Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa de 17 de setembro de 1955, em atribuir uma suposta “Carta Brandi”, por autoria, em tese, do Deputado Peronista Antônio Jesús Brandi. Por meio dela, Jango, em entendimentos confidenciais com Juan Domingos Perón (naquele período como Presidente da Argentina), implantaria uma “República Sindicalista” no Brasil. Ainda havia menções na carta de que existiriam acordadas entre as duas lideranças populares o contrabando de armas na fronteira Brasil-Argentina.


A reação da bancada do PTB foi imediata, solicitando a investigação e a apuração dos fatos, como forma de reação às tentativas golpistas da UDN em desestabilizar o processo eleitoral. As repercussões da bancada petebista tiveram êxito, quando o Ministro da Guerra, Henrique Lott, acolheu o protesto do PTB e formou o Inquérito Policial Militar (IPM) em torno da Carta Brandi. Logo após a sua criação, o IPM seria presidido imediatamente pelo General Emílio Maurell Filho. Mesmo com as agitações eleitorais acirradas pelos setores anticomunistas e antivarguistas ligados à UDN, houve, no dia 03 de outubro, a realização das eleições, assegurada pelas tropas do Exército. Após a apuração dos votos, JK venceu as eleições para Presidente e Jango para Vice-Presidente. Com os protestos dos “bacharéis” da UDN, seguindo a tese das eleições de 1950 – em torno do reconhecimento da vitória através da “maioria absoluta dos votos” –, o fato é que, em 17 de outubro, o IPM inocentou João Goulart, afirmando a inveracidade dos fatos, uma vez que a “Carta Brandi” tinha sido forjada por um deputado antiperonista e fora vendida a adversários de Jango com o intuito de prejudicá-lo politicamente.


Inconformados com o fracasso da Carta Brandi e da derrota eleitoral, a ala radical da UDN, capitaneada por Lacerda, tenta articular um golpe, após o partido argüir, sem êxito, sobre a nulidade dos votos comunistas dados à coligação PSD/PTB e as possíveis fraudes presentes no pleito. A Cruzada Democrática (corrente do Clube Militar pró-UDN) passa a abraçar a tese lacerdista, junto com jornais como a Folha de São Paulo, O Globo, o Diário de Notícias e o porta-voz da UDN radical, a Tribuna da Imprensa. Ainda assim, a tese de um golpe encontrava resistência na UDN, com os “bacharéis” – em especial, próceres do porte de Afonso Arinos e Adauto Cardoso, favoráveis a impugnação da chapa vencedora pelos métodos legais.


Recrudescendo a tentativa de golpe, as tentativas de movimentação golpistas da UDN, aproveitando-se do licenciamento do então Presidente Café Filho, vítima de ataque cardíaco, e da anuência de seu sucessor, Carlos Luz, aos demais golpistas civis-militares, Henrique Lott, na madrugada de 11 de novembro de 1955, efetivou o contragolpe preventivo, fechando todos os acessos (marítimos, viários e terrestres) para o deslocamento dos setores golpistas, isolando-os e tomando conta dos pontos, acessos e setores estratégicos da Capital Federal. O Congresso aceitou, no mesmo dia, a deposição de Carlos Luz, empossando o Vice-Presidente do Senado, Nereu Ramos, como Presidente e assegurando, por intermédio de um Estado de Sítio58, as condições para a posse, em 31 de janeiro de 1956, de Juscelino Kubitschek e de João Goulart. Venceu, então, a legalidade e a herança trabalhista, frente às tentativas extralegais cultivadas pela União Democrática Nacional (UDN).



O PTB e o Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)



Com a vitória da coligação PSD-PTB nas Eleições Presidenciais de 1955, o Governo JK teria uma prática política de composição com as demais forças políticas, inclusive, com determinadas correntes da UDN59, tendo abafado, em seu governo, as tentativas de radicalização de grupos políticos à direita e à esquerda60. A idéia de sustentar o seu governo, por meio do fortalecimento da democracia formal (trazendo ao Brasil uma visão de uma nação moderna) e da idéia-chave de “otimismo”, por meio da superação do subdesenvolvimento (através de uma forte industrialização e de uma tentativa de integração nacional), fez com que o seu governo permitisse os debates em torno de conceitos sobre independência nacional, nação e desenvolvimento61. A tentativa de integração nacional, por intermédio maior da construção de Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960, coroaria, em tese, a construção de um “novo” Brasil e o exacerbado ufanismo que adviria com as transformações imprimidas por Juscelino.


A implementação do Plano de Metas, no intuito de assegurar a prática do desenvolvimentismo integrado à ampliação de políticas de incentivo ao capital estrangeiro na economia e na industrialização do país, no entanto, confrontava-se gradualmente com a linha nacionalista preconizada pelo PTB, referendada com a X Convenção Nacional do Partido, em outubro de 1957, reforçando o caráter reformista e nacionalista que o trabalhismo petebista conduziria durante o restante do Governo JK e nos governos posteriores, até a sua extinção, com o Ato Institucional nº 2 (AI-2), em 1965.


A linha preconizada por JK em uma ação desenvolvimentista, por sua vez, traria uma forte concentração de renda e uma não-completude no ideário de integração nacional, onde regiões do país, como Norte e Nordeste, estariam à mercê da industrialização imprimida nos grandes centros urbanos do Centro-Sul do país. No ENTANTO, a maciça migração de trabalhadores para os grandes centros urbanos favoreceria a ampliação das bases eleitorais do PTB, privilegiando, em seu discurso, a manutenção e a ampliação dos direitos sociais.


Entre as atuações do PTB no Governo JK – por meio de sua bancada no Congresso –, várias ações intensas de viés programático e ideológico dariam o tom dos deputados e senadores trabalhistas, seja na defesa da Petrobrás, na criação da Eletrobrás e a defesa (inclui-se também a ampliação) dos direitos sociais – muitas delas passando a se estender também para o meio rural, por meio de parlamentares e líderes como Leonel Brizola, Fernando Ferrari, Sérgio Magalhães, dentre outros. A defesa da expansão destes direitos aos trabalhadores do campo começaria a afastar o pólo tradicional de aliança política do PTB com os setores conservadores ligados ao PSD e aproximaria o PTB com partidos progressistas como o PSB e o PCB (na ilegalidade).


Embora o PTB pudesse receber, no início do Governo Juscelino, os Ministérios de Agricultura e do Trabalho, nos quase quatro últimos anos de governo, tais pastas ficaram nas mãos do PSD, o que, de certa forma, corroborou o fortalecimento do PTB nas bases na qualidade de um partido crítico a algumas práticas tecnocráticas do Governo JK. A cooptação de quadros avessos à linha programática trabalhista, feita por JK, paradoxalmente favoreceu ao discurso de independência da agremiação trabalhista e paulatinamente fazia com que se aproximasse cada vez mais dos movimentos sociais e se afastasse da aliança com o PSD, uma vez que o PTB evocava para si um papel de proeminência política, com a formação de novas lideranças e expoentes partidários – ao ocuparem posições-chaves na opinião pública e em governos estaduais estratégicos.


A defesa dos direitos dos trabalhadores na luta pela sua estabilidade e na participação dos lucros das empresas, além da defesa da extensão do voto aos analfabetos cada vez mais afastaria o PTB do estrito apoio ao Governo JK, cada vez mais distante do pacto reformista feito nas eleições de 1955. O trabalhismo evocaria, no papel privilegiado de interlocutor dos trabalhadores, as reformas de cunho social não implementadas por Juscelino e atestaria, de fato, para si, como um partido não apenas herdeiro do carisma e da política varguista, mas como um promotor de uma nova visão do Brasil, coroando os trabalhadores no papel ativo no constructo de um Brasil em desenvolvimento, de forma includente. Deixando de ser um partido coadjuvante, o PTB passaria a exercer um papel privilegiado frente à opinião pública, disputando espaços com o PSD e obtendo a posição de partido de oposição ao liberal-conservadorismo da UDN e de setores do próprio PSD, obtendo vitórias em estados estratégicos e consolidando o papel do PTB no cenário político nacional, aprofundando o processo político-partidário e credenciando o trabalhismo como o opositor privilegiado da retórica antiimperialista norte-americana e dos seus aliados preferenciais no Brasil.


Como resultado de sua prática política, nas eleições de 195862, na disputa entre 11 governos de Estado, 1/3 do senado e as 326 cadeiras da Câmara dos Deputados, o PTB conseguira eleger 5 governadores, em contraposição aos 4 da UDN e aos 2 do PSD. Conseguiu aumentar a sua bancada, de 56 para 66 deputados federais e manteve o mesmo percentual de senadores em relação à eleição anterior, elegendo 5. Embora o aumento de sua bancada não fosse significativo, vale ressaltar o crescimento qualitativo do PTB, com a eleição de Fernando Ferrari como o parlamentar mais votado do país. Por outro lado, dois ícones de expressão partidária alcançavam postos-chaves nos governos estaduais de importância considerável no aspecto político, reforçando o papel do PTB no cenário político nacional: Leonel Brizola63 (RS) e Roberto da Silveira (RJ).


A estratégia do PTB dentro do Governo JK passou a implementar dois grandes vetores. O primeiro seria de reforçar sua identidade ideológico-partidária (por meio das alterações programáticas de fundo reformista e nacionalista e da atuação parlamentar da bancada petebista) e, o segundo e último, seguiu a estratégia de mobilização dos setores populares, comportando-se, simultaneamente, como um partido de situação (pertencente na composição política do Governo Juscelino) e de oposição, obtendo êxito com esta estratégia, por meio das alianças com os comunistas, militares legalistas e progressistas das Forças Armadas, movimento estudantil e sindicatos. A habilidade do PTB em acompanhar as transformações conjunturais políticas e ideológicas, através de um discurso nacional-estatista contra os interesses imperialistas, deu a este Partido a idéia-central de que a ampliação dos direitos sociais aos trabalhadores só se daria por intermédio da luta pela emancipação econômica nacional. Assim, este discurso não só se reverteria de forma positiva à opinião pública, como se convertia também em votos e em um amplo crescimento da agremiação trabalhista.


As eleições presidenciais de 1960 marcariam a última tentativa da aliança PTB-PSD e a consolidação da cooptação política trabalhista ao meio militar, por meio da candidatura presidencial do Marechal Henrique Lott, pelo PTB64 e de João Goulart, como Vice-Presidente. O apoio do PCB à chapa petebista Lott-Jango teria eficácia para a candidatura de Jango à Vice-Presidência. No entanto, concorrendo com Lott, estaria Adhemar de Barros (PSP) e Jânio Quadros (UDN-PDC).


As dobradinhas informais entre Jânio e Jango, por intermédio da chapa informal Jan-Jan, refletiam, de forma antiideológica, a oposição, tanto pelos setores conservadores quanto pelos progressistas, ao Governo JK. A contestação a possíveis práticas de corrupção e o aumento cada vez maior da espiral inflacionária65 permitiram, de forma inédita, a vitória da UDN66 no pleito presidencial, exorcizando de vez as “derrotas gloriosas” e “emprestando” à legenda udenista um caráter mais palatável à população, por intermédio da candidatura de Jânio.



O PTB e o Governo Jânio Quadros (1961)



Com a vitória da coligação UDN-PDC, Jânio, ao se credenciar como Presidente, passou a imprimir uma linha econômica conservadora, seguindo os ditames do FMI, por meio de uma orientação ortodoxa econômica, com um conteúdo antiinflacionário. Por sua vez, no campo político, a linha antivarguista estaria marcada no governo pelas investigações às ações de João Goulart na gestão anterior e em apurações de inquérito para investigar irregularidades na Previdência Social, sob a tese da moralidade na Administração Pública, ao tentar envolver os quadros do PTB.


O PTB, junto com os quadros do PSD e do PSP, além da oposição esperada do PCB, passa a se aglutinar por meio da formação de uma maioria parlamentar com o intuito de frear as maquinações de Jânio Quadros e a fiscalizar as próprias investigações do seu governo.


Valendo das suas atribuições presidenciais, Jânio passaria a lançar mão de freqüentes “bilhetinhos”, regulamentando as ações dos Ministérios e até, de forma inusitada e excêntrica, a regular os hábitos comuns do cotidiano, desde a proibição de brigas de galo até o uso de maiôs nas praias, no intuito de promoção da “moralidade pública” em sua gestão.


Cada vez mais isolado politicamente, por meio de suas práticas políticas instáveis, e enfrentando as contradições do seu governo (ao herdar uma forte espiral inflacionária provocada pelo governo JK), Jânio, por meio de sua inabilidade política e do seu histrionismo, consegue obter inclusive a oposição da UDN, cada vez mais decepcionada pelas ações do seu mandato. Embora Jânio Quadros pudesse dar um caráter conservador no campo econômico, no aspecto político passou a promover uma política externa independente67, reatando ou inserindo relações diplomáticas com países de orientação socialista. Tal instabilidade em seu mandato se agravaria com a condecoração de Ernesto “Che” Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, no dia 19 de agosto de 1961, onde a UDN e os setores militares mais conservadores68 protestaram veementemente.


Com a denúncia contundente de Carlos Lacerda, na noite de 24 de agosto de 1961, em televisão, sobre as manobras golpistas do Presidente, Jânio, no dia seguinte, renuncia ao seu cargo69 e provoca uma crise política. Neste mesmo ínterim, João Goulart, como Vice-Presidente, se encontrava na China, em uma viagem diplomática e comercial. Embora Ranieri Mazzilli (PSD), como Presidente da Câmara dos Deputados, assumisse a vacância do cargo presidencial, os três ministros militares não recomendavam a posse de Jango, temendo sua origem varguista e o contato privilegiado do líder petebista com o movimento sindical e com o PCB. O receio da implementação de uma “república sindicalista” e a “inconveniência” da posse de Jango conduziria a um golpe articulado pelos ministros militares, endossado pela UDN.


No entanto, a tentativa inicial de Leonel Brizola, então Governador do Rio Grande do Sul, pelo retorno de Jânio Quadros ao poder presidencial tornara se inviável. A visão imediata da tentativa de um “putsch” promovido pelos militares conservadores para impedir a posse de Jango à Presidência fez com que Brizola articulasse um levante de conteúdo democrático e legalista, de defesa da Constituição Federal e da preservação das instituições democráticas. Tal movimento seria chamado de Campanha da Legalidade70, onde o governador gaúcho, por meio da invasão a Rádio Guaíba, uniu as diversas emissoras em cadeia, promovendo um levante legalista e obtendo o apoio do Governador de Goiás, Mauro Borges, dos movimentos sociais e da população. O apoio posterior do III Exército, liderado pelo General de Exército José Machado Lopes, na defesa pelo cumprimento da Constituição, provocou um grave impasse que, por pouco, não chegou a originar uma Guerra Civil, por meio da Emenda Constitucional nº 04, aprovada pela Câmara Federal. Tal alteração da Carta Magna diminuía os poderes e as atribuições do Presidente da República e impunha o Regime Parlamentarista, como solução de compromisso entre a ala militar conservadora, o PSD e o PTB71, proporcionando a posse de Jango em 07 de setembro de 1961 na Presidência da República.

Curso de capacitação politica da JS/PDT

Uma breve História do Trabalhismo Brasileiro



* Wendel Pinheiro


1. Introdução



Para entendermos a respeito das origens do PDT e de sua doutrina política, é necessário sabermos, em rápidas linhas, sobre a breve História do Brasil República. Assim, falar do trabalhismo é, ao mesmo tempo, entender as transformações políticas, sociais e econômicas compreendidas até hoje e saber o papel do trabalhismo neste processo de reformulações políticas, desde o antigo PTB de Getúlio Vargas.


Para entender o grau do alcance das conquistas trabalhistas, nada melhor que darmos uma rápida passada em torno da Primeira República (ou como queiram chamar, República Velha) e analisar o quadro social e político, onde se situava o trabalhador brasileiro.


Nas primeiras décadas do século XX, raras eram as legislações que amparavam os trabalhadores, por conta do nascente processo de industrialização. A maioria das leis considerava as greves e protestos como “casos de polícia”. Trabalhadores eram presos e interrogados por reivindicarem direitos até então elementares, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho, a melhoria das condições de trabalho, a regulamentação do trabalho feminino e infantil, o direito às ferias e a criação de um salário-mínimo, dentre outras reivindicações do movimento operário. Poucas categorias profissionais tinham, de fato, alguns desses direitos.


Embora a disputa entre anarquistas, comunistas (através da criação do Partido Comunista do Brasil, em 1922) e sindicalistas católicos e socialistas (os chamados “amarelos”) pudesse, de certa forma, contribuir para a mobilização da nascente classe operária, foi por meio das propostas da Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas, que os setores populares passaram a ter vez e voz, por meio de programas que contemplassem os trabalhadores. Tal ação assim quebrava o esquema excludente da Primeira República, através do liberal-conservadorismo promovido pelas oligarquias cafeeiras dominantes. Isto se dava por meio do pacto “café com leite”1. A derrota de Getúlio Vargas, por meio das práticas eleitorais fraudulentas presentes na Primeira República, e o assassinato do seu aliado político, João Pessoa (governador da Paraíba) precipitaram as condições para a vitória da Revolução de 1930 que conduziu Vargas à Presidência da República.



2. O Primeiro Governo Vargas (1930 – 1945)



Vargas, dentro das suas primeiras atuações, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criando leis de proteção ao trabalhador. Como exemplo, podemos citar a lei dos dois terços, onde 2/3 dos trabalhadores de uma empresa deveriam ter a nacionalidade brasileira, revertendo, assim, a máfia constituída por donos de comércio oriundos de Portugal, da Itália e da Alemanha que protegiam seus compatriotas.


O trabalhismo de Vargas confirmaria a sua vocação popular, no Estado Novo, a série de legislações que estendiam os direitos sociais aos trabalhadores, com a criação, em 1º de maio de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dentre outras conquistas da Era Vargas, há a extensão dos direitos políticos à mulher (direito de voto e de representação política na Assembléia Constituinte de 1934) e a criação da Justiça Eleitoral, dificultando a ação de manipulação dos votos promovidos na Primeira República, com o “voto de cabresto2” e o “voto de bico de pena3”. Ainda, em seu governo, seria feita a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a ampliado o processo de industrialização, como forma de gerar desenvolvimento e crescimento econômico ao país.


Em meio às transformações políticas e à vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, Vargas obtém o apoio dos trabalhadores e do recém-criado PCB de Luis Carlos Prestes, por meio do Movimento Queremista, onde queriam que Vargas pudesse criar a Assembléia Constituinte e realizasse as eleições para a Presidência, sendo ele o candidato escolhido pelos trabalhadores.


Com receio da ascensão dos movimentos populares e com a aliança entre Vargas e os comunistas, os setores políticos conservadores e de oposição a Getúlio promoveram um golpe em outubro de 1945, tendo à frente José Linhares na Presidência da República, promovendo as eleições presidenciais e para as cadeiras nas Assembléias Legislativas e Nacional Constituinte.



3. A experiência democrática (1945 – 1964)



Sobre o nascente pluripartidarismo, nasceram algumas legendas políticas que até hoje, de forma direta ou subsidiária, dão sustentação ideológica. À direita, surgia a União Democrática Nacional (UDN), de perfil liberal-conservador, reunindo os segmentos de oposição a Vargas, grandes parcelas da classe média e da intelectualidade antivarguista e os quadros da burguesia associada ao capital norte-americano. Ao centro, com variações entre a centro-direita (por meio dos democratas liberais) e alguns setores progressistas, surgiria o Partido Social Democrático (PSD), tendo entre os seus quadros os antigos interventores e quadros administrativos pertencentes ao governo de Vargas, os grandes industriais e latifundiários.


À centro-esquerda, com o apoio do operariado varguista e setores da classe média baixa, surgiria o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o apoio de Vargas e que, por meio deste Partido, teria uma atuante participação política, se elegendo Presidente da República em 1950. Na esquerda, estaria o Partido Comunista do Brasil (PCB), liderado por Luis Carlos Prestes, tendo a influência ideológica do marxismo-leninista. Embora este partido tenha tido pouca duração como um partido legal, muitas vezes, na semilegalidade, ele, ao lado do PTB, teria um papel decisivo nos momentos políticos cruciais – dada à questão conjuntural da política internacional em torno da Guerra Fria.


Após a vitória de Eurico Gaspar Dutra, pela aliança PSD-PTB, sobre o Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), Dutra terá ações políticas que cercearão os trabalhadores do direito de greve e de associação sindical. Vários militantes sindicais são presos. Sindicatos são fechados e suas sedes são depredadas, além do PCB ser proscrito em 1947. Os salários dos trabalhadores são defasados pelo aumento do custo de vida e as reservas financeiras do país, adquiridas na II Guerra Mundial, são gastas por meio da aquisição, no Governo Dutra, de produtos supérfluos.


Com estas razões, Vargas volta, por meio do PTB, à Presidência da República, com 48,7% dos votos. Em uma arrojada proposição nacional-desenvolvimentista, Vargas, através da Campanha “O petróleo é nosso4”, cria a PETROBRAS e elabora o projeto da criação da ELETROBRAS, criada apenas no Governo de João Goulart (1961-1964). Reformulando a linha de diálogo com os trabalhadores, inexistente no Governo Dutra, Vargas põe João Goulart (Jango) no Ministério do Trabalho, em meados de 1953, com o intuito de promover o diálogo entre o governo e os sindicatos.


A aproximação de Jango com o movimento sindical, através das lideranças sindicalistas trabalhistas e comunistas, assustou os setores conservadores encampados na UDN e nos segmentos conservadores do PSD. Acusavam Jango de promover uma “República Sindicalista”, aos moldes do peronismo argentino, liderado por Juan Domingos Perón. Para os udenistas, Jango não se constituía como Ministro do Trabalho e sim, como o “Ministro dos Trabalhadores”, no sentido político pejorativo.


Com a atuação de Jango no Ministério do Trabalho, ele propôs ao governo Vargas o aumento salarial de 100% na remuneração dos trabalhadores, onde obteve a oposição não apenas da UDN, dos grupos reacionários pessedistas, mas também da oficialidade ligada à Cruzada Democrática (tendência do Clube Militar associada à UDN e à linha pró-capitalista). Vargas, pressionado, demitiu Jango, mas ao colocar Hugo de Faria no Ministério, Jango seria a “eminência parda” do Governo de Getúlio. Vargas confirmaria a sugestão de Jango no dia 1º de maio de 1954, ao aprovar o aumento do salário-mínimo em 100%.


Pressionado pelos setores conservadores e diante do incidente da Rua Toneleiros, em 05 de agosto de 1954, com a morte do major Rubens Vaz, Vargas e o PTB estariam acossados pela direita (diga-se de passagem, pela UDN e pela ala conservadora do PSD e militar) e pela esquerda (pela oposição dos dirigentes do PCB, em oposição à militância comunista, aliada aos trabalhistas no movimento sindical). Com as pressões de grande parcela dos jornais, ao pedirem a renúncia do Presidente, Vargas, em 24 de agosto, se suicida. A comoção popular promovida pela Carta Testamento acuou os adversários de Vargas. Jornais e sedes partidárias oposicionistas, além de lojas e embaixadas norte-americanas, são depredadas pela fúria popular e o PCB passa a apoiar o trabalhismo varguista, em torno das teses nacionalistas.


O PTB passa a ser o depositário do legado trabalhista de Getúlio Vargas e por meio da tese nacionalista e reformista, calcará as suas linhas políticas pela ação dos parlamentares petebistas e dos governadores eleitos pelo Partido – em especial, durante o Governo de Juscelino Kubitschek (JK). Dentre os seus grandes quadros, estariam, além de Jango, lideranças emergentes como Alberto Pasqualini, Fernando Ferrari, Lúcio Bittencourt, Santiago Dantas, Sérgio Magalhães, Eloy Dutra, Roberto da Silveira e, em destaque, Leonel Brizola.


A partir da vitória de Jânio Quadros, em 1960, e de João Goulart (como vice-presidente), o PTB teria uma participação decisiva nos rumos políticos nacionais, adaptando o discurso do trabalhismo varguista às teses do nacional-reformismo. Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, e a tentativa de um golpe civil-militar, uma vez que João Goulart se encontrava na China em relações diplomáticas, Leonel Brizola lidera a Campanha da Legalidade, com o apoio decisivo de populares, intelectuais, estudantes, operários, militares legalistas e políticos progressistas, impedindo, assim, o golpe que andava em marcha.


Com a posse de Jango na Presidência, iniciam-se as propaladas Reformas de Base, a partir da reformulação de várias áreas (trabalhista, previdenciária, universitária, agrária, urbana, sindical, etc). É criada a Eletrobras e a Embratel e, dentro da ampliação dos direitos trabalhistas, é aprovado o 13º salário (no final de 1962). Os movimentos camponeses passam a reivindicar pela ampliação dos direitos sociais presentes na CLT.


O Governo Jango foi, assim, um grande período marcado pela participação da população, através das entidades e associações. Uma participação ampla, exigindo a ampliação dos direitos sociais e políticos, opinando, inclusive, nos rumos políticos do governo. As teses reformistas, antiimperialistas e de independência nacional presentes no PTB estariam mais radicalizadas na tendência partidária denominada “Ala Compacta” que participava tanto na FPN (Frente Parlamentar Nacionalista) quanto na FMP (Frente de Mobilização Popular), liderada por Leonel Brizola.


Para os setores políticos conservadores da UDN e do PSD, ligados à Ação Parlamentar Democrática (ADP) e ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o PTB, com o apoio dos comunistas, queria promover uma “comunização” do Brasil, transformando o país em uma “República Sindicalista”. Dada à polarização política presente na Guerra Fria entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético, ter uma postura nacional-desenvolvimentista, progressista e de diálogo com os setores populares era visto como a “associação ao comunismo”. No entanto, o Governo Jango foi um período rico na História Política do país, onde os trabalhadores eram os personagens políticos atuantes.


O descompasso entre uma política nacional voltada para os trabalhadores e o conservadorismo atrelado ao capitalismo norte-americano acirrou a polarização entre as correntes udenista e petebista. Tal fato acelerou as condições para a implementação do golpe civil-militar, na madrugada de 1º de abril de 1964, após o Comício da Central do Brasil pelas Reformas de Base, em 13 de março de 1964.


Líderes sindicais foram presos e as sedes de sindicatos foram fechadas. Os jornais pró-Jango (como o Última Hora) foram empastelados e a sede da UNE foi incendiada pelos grupos anticomunistas. Líderes políticos e sindicais progressistas, ligados ao PTB e PCB tiveram seus direitos políticos cassados. A UDN e a grande parcela do PSD votaria, em eleição indireta, para Castelo Branco exercer a Presidência da República, no início de abril de 1964.



4. O Regime Militar (1964-1985)



Seja como for, o PTB seria o partido mais castigado e perseguido, ao lado do PCB, com as contínuas cassações dos direitos políticos de seus respectivos quadros partidários, por meio do Ato Institucional nº 01 (AI-1). Se não eram cassados, por outro lado tornavam-se inelegíveis com a aplicação de novas leis casuísticas – como a Lei das Inelegibilidades, em julho de 1965, impedindo o Marechal Henrique Lott e Hélio de Almeida, por exemplo, em se candidatarem como Governador da Guanabara.


Seja como for, tais medidas arbitrárias, em tese, favoreceriam a UDN, inclusive para as eleições presidenciais que seriam, a princípio, em 1965. Carlos Lacerda, com a ausência de Jango, Brizola, Arraes e JK, se tornava um candidato em potencial pela UDN à Presidência da República. No entanto, os sonhos de Lacerda seriam boicotados pela prorrogação do mandato presidencial até 1966, cabendo ao líder udenista a fazer uma oposição cada vez maior ao regime que ele apoiara.


Com as eleições governamentais em outubro de 1965, a aliança PTB-PSD vingou, com a vitória em dois estados-chaves: em Minas Gerais, com Israel Pinheiro e na Guanabara, com Negrão de Lima. Diante do resultado, o setor mais reacionário do regime, a ala “linha dura” protesta e quer anular a posse dos eleitos. No entanto, Castelo Branco concede a posse aos dois oposicionistas, mas, por outro lado, cria o AI-2, extinguindo os partidos políticos e criando, em curto prazo, o sistema híbrido partidário, por meio do bipartidarismo, entre as duas novas legendas: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), composta por udenistas e pessedistas conservadores e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), composto por pessedistas progressistas e remanescentes trabalhistas e comunistas.


Com o endurecimento do Regime Militar, através da truculência militar às passeatas estudantis e às reuniões da UNE e do movimento sindical, recrudesce a oposição ao regime, por meio da fragmentação do PCB em pequenos grupos armados e revolucionários. Cria-se a Frente Ampla, com a união de Carlos Lacerda, JK e Jango, na resistência ao Regime. Em contrapartida, o governo militar, lançando mão do seu poder coercitivo, cria, em dezembro de 1968, o AI-5, restringindo, inclusive, os direitos individuais e coletivos mais elementares. A perseguição aos comunistas e opositores ao Regime torna-se a ação política de Estado, na busca do “inimigo interno” de caráter “subversivo”. Prisões, torturas e mortes às lideranças sindicais, comunitárias e estudantis, além do fechamento do Congresso Nacional e o exercício de práticas autoritárias dão o tom do que seria a linha política presente nos governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1974).


A partir do Governo Geisel, em 1974, e com a vitória da oposição sobre o governo nas eleições do mesmo ano, começa a distensão do processo de redemocratização – fato que se avançaria mais com o fim do bipartidarismo e a criação de novas legendas. E a partir delas que surgiria a fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT).



5. A briga pela legenda petebista



A partir do processo de redemocratização e do encontro dos trabalhistas históricos em Lisboa, criando os postulados que fariam parte da Carta de Lisboa, Leonel Brizola se aproximará das lideranças políticas européias associadas ao socialismo democrático e à social-democracia, integrando-se na Internacional Socialista. O trabalhismo brasileiro proposto por Brizola, após o seu exílio, tinha um caráter democrático, na defesa das maiorias minoritárias (como as mulheres e os negros, por exemplo), e na proposição de um novo socialismo, adaptado às necessidades brasileiras, por meio do socialismo moreno, sendo o trabalhismo o meio para a implantação desta sociedade.


Por outro lado, o grupo de Ivete Vargas, composto por quadros conservadores, tinha uma forte entrada no Regime Militar e obteve o apoio do Ministro da Casa Civil do Governo de João Batista Figueiredo, o General Golbery do Couto e Silva. Golbery, tendo em mente sobre a inconveniência da sigla do PTB nas mãos de Leonel Brizola, remontando à áurea varguista e janguista, nega a sigla ao grupo brizolista (que, dentre seus integrantes, tinham quadros ligados a Jango e a Prestes) e concede a legenda petebista ao grupo de Ivete, em 12 de maio de 1980.


Sem qualquer possibilidade de reconciliação entre ambos os grupos, por conta da linha progressista do novo trabalhismo brizolista, Brizola, em um gesto de desespero e tristeza, chora e rasga um papel com o escrito da sigla do PTB. Após isso, em uma reunião do Encontro Nacional dos Trabalhistas promovida entre os dias 17 e 18 de maio no Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, haveria a fundação oficial do Partido do Trabalhismo Democrático (PTD), fazendo uma releitura do antigo trabalhismo, frente às demandas contemporâneas. No entanto, com as regras eleitorais proibindo fonemas parecidos nas siglas partidárias, a sigla PTD é inviabilizada e em 26 de maio de 1980, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) é fundado, tendo o seu registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em novembro de 1981.


Em momentos cruciais como o processo de redemocratização, o Plano Cruzado I e as políticas neoliberais de Fernando Collor, Itamar Franco e FHC, o PDT fez jus ao seu ideário nacionalista, democrático-popular e trabalhista, remontando às demandas das Reformas de Base, adaptadas a conjuntura político-econômica das duas últimas décadas do século XX e no início do século XXI.


Posteriormente, seja pela sua atuação política e pelos resultados eleitorais, o PDT guarda até hoje o legado trabalhista do antigo PTB pré-1964, pelas ações políticas de Leonel Brizola, liderança maior da legenda, e por diversos quadros políticos e parlamentares, em fidedignidade aos princípios históricos nacionalistas, trabalhistas e democrático-populares. Seja como for, é indispensável, inclusive nos tempos atuais, pensarmos na conjuntura política nacional, sem fazermos alusão aos progressos e conquistas dos trabalhadores, estudantes e setores populares, por intermédio do trabalhismo.

Curso de capacitação politica da JS/PDT

A concepção do trabalhismo brizolista no século XXI





Leonel Brizola Neto1
Wendel Pinheiro2




“É preciso pensar o futuro se desejarmos ter algum.”


Mauro Zacher




A máxima acima foi concebida a partir de um texto chamado “Novos Rumos para o Trabalhismo”, de autoria do Vereador Mauro Zacher. A partir de uma série de análises, sob o pano de fundo de “atualização” das premissas e concepções trabalhistas, a sua obra vem pontuando, a partir de uma série de críticas, sobre o “anacronismo” do ideário trabalhista, frente às demandas pontuais do século XXI.


Assim, usando-se, para isso, de um breve marco teórico, a partir da rápida análise sobre a “Teoria da Reflexividade” de Anthony Giddens, Zacher utiliza-se do texto para fazer uma série de críticas ao conjunto de práticas (ditas indefinidamente e mal aplicadas como “tradição”) e concepções advogadas pelo atual trabalhismo, sem apresentar, contudo, propostas consistentes, claras e precisas àquilo que ele denomina como “novos rumos” para o trabalhismo.


Salvando o penúltimo parágrafo, numa sintética e vaga proposição sobre a Reforma Política, talvez, parte das suas proposições se encontrem nos 10 pontos postos por Mauro Zacher, nas páginas 10 e 11, sem que houvesse um maior detalhamento de cada um destes elementos. Igualmente, o cerne daquilo que o motivaria a confeccionar este documento se encontra no fim da página 7 e no último parágrafo de sua obra, onde diz que


“Na tradição política, os guardiões são costumeiramente os ‘chefes’ partidários, de quem se espera a capacidade de ‘purgar’ o partido daqueles que, por não estarem subordinados à tradição, só podem ser compreendidos como ‘ovelhas desgarradas’. Sobre estes, deve pesar a mão disciplinadora das instâncias partidárias e, no limite, configurada a ‘traição’, os que se apartam da tradição devem ser eliminados. (...)

Para tudo isso, o PDT é um projeto que também precisa ser renovado. Não há caminho melhor para isto do que a diferenciação diante da realidade vivida pelos demais partidos. Não nos interessa somente reprodução da tradição, porque ela não irá nos trazer todas as respostas que buscamos. Também não queremos que nosso partido se dilua na realidade política nacional e seja apenas mais uma sigla a ser manejada pelos interesses daqueles que procuram se manter no poder ou conquistá-lo. O PDT pode muito mais. Importa, agora, estar disposto a travar o debate e avançar.”


As críticas colocadas à estrutura interna das instâncias partidárias são o pano de fundo para os apontamentos postos por Zacher que norteiam tanto as práticas quanto a ideologia trabalhista. Sob uma aura de “renovação”, quais seriam os pontos no “neotrabalhismo pós-moderno” do parlamentar porto alegrense?


A partir de alguns tópicos, estaremos travando alguns pontos, confrontando-os, a luz da construção de conceitos e à altura dos valores basilares presentes nos documentos que regem e guiam a linha político-ideológica do PDT.



1) O confuso conceito da “tradição” do “zaquerismo”, a visão turva do trabalhismo



No decorrer do seu texto, Mauro Zacher aborda o trabalhismo não se resumindo a uma ideologia ou uma inspiração doutrinária, mas, a um vínculo emotivo e uma justificativa histórica que, por ela mesma, se inspiraria como “tradição”.


Todavia, no decorrer do texto, sentimos uma confusa visão sobre a concepção relacionada sobre a tradição na abordagem sobre o trabalhismo, fazendo, em diversos momentos, confusões teóricas insanáveis, atribuindo à mesma “tradição”, conceitos distorcidos da visão weberiana, além de confundir esta terminologia com a definição de dogma/ideologia e de liturgia/cultura política.


Tomamos para a tradição a visão weberiana, onde o Estado toma para si a idéia de domínio a partir da crença, isto é, na “santidade de ordens”. Sob uma baixa participação política, em oposição às democracias modernas, a tradição é utilizada em modelos políticos patriarcais ou, em um estágio mais avançado, nos Estados Teocráticos. O poder não é legitimado através das leis, mas da força do líder maior sobre os súditos – seja a partir de alguns atributos, tais como a sua primogenitura, ou o grau de antiguidade deste líder sobre seu clã ou tribo, ou a autoridade de viés divinal. As relações de poder seriam pessoais, onde os seus liderados deveriam sua fidelidade aos seus líderes.


A aplicação de tradição segundo o prisma weberiano, que é o mais largamente usado em trabalhos acadêmicos, não se aplica ao trabalhismo, seja porque Weber tenta explicar as formas de dominação impostas pelo Estado (a racional, a tradicional e a carismática); seja pela incompreensão conceitual zaquerista, fundindo tradição com ideologia e... cultura política!


A ideologia (ou dogma), enquanto conceito largo e aberto, passível de debates, torna-se como um conjunto de arcabouços de idéias, crenças, concepções e valores que constituem um sistema de pensamento – sejam eles de cunho político, filosófico ou teológico. É óbvio que uma linha ideológica, dada as contingências políticas, culturais e econômicas, possui a capacidade de dialogar – ao procurar responder e explicar, a partir do seu conjunto de valores idiossincráticos, todos os fenômenos sociais. Entretanto, seus valores doutrinários são imprescindíveis, ainda que aperfeiçoados – porém mantidos os pontos centrais desta ideologia, como uma série de valores, cujo objetivo é a mudança da ordem vigente, defendido por um grupo, uma instituição ou um partido.


Já a cultura política envolve os sentimentos, o comportamento, códigos de convivência e regras vividas entre a militância, os quadros teóricos e dirigentes partidários ou de fração em uma organização política, além dos valores que este grupo carrega, a partir da visão que eles possuem, seja da sua agremiação partidária ou do seu papel junto à sociedade civil e ao Estado – seja de adesão, indiferença ou mesmo de aversão ao governo ou regime vigente.


Partindo-se destes pressupostos, a ideologia política do trabalhismo sempre foi marcada a partir não apenas das experiências políticas bem sucedidas de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola e do pensamento formulado por Alberto Pasqualini e Darcy Ribeiro. Seus documentos, visando à análise da conjuntura política, econômica, social e cultura brasileira, estão bem presentes na Carta Testamento de Vargas, na Carta de Lisboa e no Manifesto do PDT, ainda que também se encontre subjacente na Carta de Mendes e pontualmente no Programa do PDT.


Em suma, nacionalismo, democracia popular e trabalhismo entrelaçam entre si na doutrina sustentada pelo antigo PTB pré-1964 e pelo PDT, denominada de trabalhismo. O nacionalismo se pontua a partir da defesa dos interesses constituídos na defesa do patrimônio brasileiro. Não é um nacionalismo excludente, tampouco xenófobo. Neste nacionalismo, o sentimento usual ufanista, concebido pela visão chauvinista, é substituído por um nacionalismo crítico-construtivo e transformador da própria estrutura sócio-econômica do Brasil. O nacionalismo que o trabalhismo advoga possui um caráter includente, atraindo, para si, o povo como o principal legatário do patrimônio nacional.


Incluindo o povo no ideário nacionalista, constituímos a concepção da democracia popular. Ela, em sua forma avançada, privilegia a soberania popular, sendo o povo a razão de ser e de existir da própria democracia. A democracia popular, para a ideologia trabalhista, é direta! Nela, a escolha dos representantes pelo sufrágio universal não é o fim em si, como advoga as correntes democrático-liberais, mas um meio para criar condições oportunas de justiça social e de dignificação das massas trabalhadoras – as mesmas promotoras do desenvolvimento nacional. Ilustra a concepção da democracia popular, bem inspirada ao ideário de contrato social promovida por Jean Jacques Rousseau, a máxima colocada por Leonel Brizola, no discurso da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, quando, sob a possibilidade da existência de uma Assembléia Nacional Constituinte para a efetivação das Reformas de Base, Brizola resumiria a concepção da democracia popular, a saber:


“Se os poderes da República não decidem, por que não transferimos essa decisão ao povo, que é a fonte de todo o poder?”


Então, na democracia popular advogada pelo trabalhismo, qual é a concepção de povo?


Inspirado a partir da Carta de Lisboa, além das intervenções histórico-pragmáticas de diversos quadros trabalhistas, o povo não se resume à classe trabalhadora, delimitada pela visão tradicional marxista. Inclui-se, em uma visão avançada e, por vezes incompreendida por grande parcela da esquerda brasileira, o lumpen-proletariado, sequer considerado por Karl Marx, no Manifesto Comunista, como integrante do proletariado, isto é, da própria classe trabalhadora.


Quem seria, então, este personagem?


O lumpen-proletariado se constitui em subempregados, desempregados, os marginalizados e os que vivem abaixo da linha da pobreza. São a todos estes, dentro de um sentido cristão includente, que o trabalhismo brizolista avança explicitamente, através da Carta de Lisboa, concebendo-os como partícipes de um projeto nacional, na condição de povo. Ou seja, lumpen-proletariado e classe trabalhadora estão juntas, no constructo de um projeto chamado BRASIL!


Logo, o conceito de lutas de classe, tão presente no marxismo clássico, possui uma leitura inovadora e transformadora, através do trabalhismo, rumo ao socialismo-democrático. Nele, o povo tem voz e vez!


O trabalhismo, na visão democrático-popular, insere os segmentos acima descritos na condição de POVO, causando choque e incompreensão a muitos setores da esquerda brasileira que, inconformados com o marco teórico posto pelo trabalhismo, a partir de sua visão empírica sobre a realidade sócio-política brasileira, denominem pejorativamente todos os quadros trabalhistas e a própria ideologia carregada pelo PDT e pelo PTB pré-1964 como populista.


Assim, incluindo, na condição de povo, o lumpen-proletariado, a partir de setores marginalizados como as maiorias minorizadas (mulheres, negros, nordestinos, índios), o trabalhismo, sob o axioma da Carta de Lisboa, define bem a luta de classes a partir de um princípio inexorável, onde


“Neste particular e dentro de um horizonte que não é absolutamente cristão, mas marcado por um capitalismo impiedoso, impõe-se a nossa defesa constante dos pobres contra os ricos, ao lado dos oprimidos contra os poderosos. (...) Porque damos importância central ao nosso povo como sujeito e criador do seu próprio futuro, sublinhamos o caráter coletivo, comunitário e não individualista da visão Trabalhista.”


Fechando, a compreensão sobre o trabalhismo, a partir das duas vertentes, tais como nacionalismo e democracia popular, é uma vertente ideológica que privilegia o trabalhador como alvo não apenas do seu discurso, mas das políticas públicas e ações governamentais direcionadas ao trabalhador. A linha política varguista e janguista se pautaria neste vetor, inserindo, também, o trabalhador rural, contemplando-o nas Reformas de Base, a partir da defesa intransigente de uma Reforma Agrária que o incluísse como ator central e beneficiário.


A cultura política trabalhista se dá a partir do valor dado a partir do resgate histórico dos adeptos do trabalhismo às ações governamentais e políticas dos quadros trabalhistas, além dos símbolos tão presentes não apenas no imaginário da militância, mas do conjunto de signos políticos. CLT, as Reformas de Base, os CIEP’s, a Previdência Social, voto secreto, a Campanha da Legalidade, dentre tantas marcas introduzidas pelo trabalhismo.


Logo, ignorar as transformações e as vivências sentidas pelos correligionários significa desconstruir o capital de conquistas e experiências vividas por estes militantes, através do trabalhismo. Pior: a própria cultura política que todos nós, trabalhistas, carregamos.


Por tais marcas, o capital de mudanças sociais trouxe a tais pessoas o reconhecimento e a dignificação, através da perpetuação deste conjunto de símbolos e marcas na memória de quadros, dirigentes e militantes, formando a cultura política de todos os trabalhistas – ainda que destituídos de uma mínima formação ideológica e utilizando, para si, os sentimentos de gratidão e de devoção às conquistas políticas promovidas pelo trabalhismo.


Assim, a partir das análises acima postas, pouco ou nada explica a definição turva, confusa e sem grande capital teórico a parca explicação de Mauro Zacher sobre a concepção de tradição. Entendem-se mais as assertivas do parlamentar gaúcho, partindo-se do pressuposto de que este quadro quer marcar uma posição política, ainda que, para isso, sacrifique teoricamente o exíguo subsídio teórico que ele tenta explicar uma possível realidade política do PDT.



2) Diferente da atual produção e visão historiográfica progressista, o trabalhismo brizolista, para Zacher, é, em outras palavras, anacrônico



Sob o enfoque da “tradição”, as contínuas críticas de Zacher se dão, em linhas gerais, a partir da incapacidade do trabalhismo dialogar com as demandas presentes no século XXI. Embora seja motivo de orgulho ao autor as conquistas históricas do trabalhismo, a ideologia carregada pelo PDT não conseguiria dar conta da agenda presente, neste “processo de modernização”.


Segundo Zacher, as possibilidades emancipatórias neste processo que o trabalhismo não daria conta de resolvê-los estariam em três itens, sendo eles o aumento da condição moderna, explicada por Anthony Giddens, chamado de “reflexividade”, a oferta maior de produção e/ou acesso à informação e de articulações políticas via Internet e a formação de novas identidades políticas e novos movimentos sociais, fugindo à definição clássica das classes sociais ou agrupamentos profissionais.


Todavia, dentro da perspectiva histórico-ideológica trabalhista, Zacher não procura, de forma eficaz, apresentar as soluções aparentemente “insolúveis” ao que tem passado o PDT.


Como inserir o trabalhismo, dentre os problemas aparentemente “intransponíveis” entre a ideologia carregada pelo PDT e o mundo do século XXI, na sociedade da informação, onde existem articulações políticas cada vez maiores no mundo virtual, conforme ressaltado por Mauro Zacher em sua obra?


Ora, esta realidade, embora existente e crescente, ainda não inclui os milhões de analfabetos digitais. O mundo pós-moderno de Zacher é fora da realidade de um enorme contingente de brasileiros. Talvez isso tenha sido um dos fatores para explicar a derrota improvável de Fernando Gabeira no 2º turno, concentrando a sua campanha virtual em torno dos que obtinham acessos – em especial, localizados na Zona Sul e na Grande Tijuca.


Mesmo com políticas democratizantes do Governo Lula no acesso à internet, todavia, em 2007, apenas 39 milhões de brasileiros tinham a possibilidade de obter contato com o mundo virtual.


Em suma, um mundo ainda distante da possibilidade de muitos cidadãos...


Enfim, que “novo” trabalhismo que Zacher propõe? Um trabalhismo conivente com a sociedade pós-moderna, que descaracteriza o antagonismo de classes? Quais seriam os itens que norteariam o “neotrabalhismo pós-moderno”?


O item que mais ilustra a proposição do zacherismo é o “Um mundo plural”. Seguindo o processo de direitização ideológica, seguido desde o XIII Congresso Nacional da JS-PDT em 2007, há uma adaptação das conceituações trabalhistas aos desafios impostos no início do século XXI. Sob a suposta necessidade de responder à altura as discussões propostas por uma parcela considerável das correntes juvenis da esquerda brasileira, há o fracionamento das lutas em outras frentes.


Em outras palavras, abdica-se dos conceitos clássicos do pensamento marxista ou mesmo, do trabalhismo progressista, desfazendo a idéia da luta de classes, com o antagonismo entre as elites e a massa trabalhadora (ou o povo, na perspectiva trabalhista), colocando a classe trabalhadora dentro de um nicho ou gueto, dentre tantos outros, como os homossexuais, pacifistas, evangélicos, judeus, negros, movimento feminista, ONGuistas, dentre outros grupos minoritários de interesse. A partir da exacerbação da “política de direitos”, incentiva-se o “direito à diferença”, destruindo não apenas as concepções, mas a própria unidade popular em torno da defesa da soberania nacional.


A concepção do liberalismo no campo filosófico-moral e o agravamento na relativização dos conceitos, doutrinas, paradigmas e valores, chegando ao subjetivismo, são o norte da pós-modernidade do século XXI. No campo político, são as Organizações Não-Governamentais, a partir da iniciativa individual ou de um pequeno grupo, que descredenciam o papel do Estado em promover o bem-estar à coletividade. O descrédito aos partidos políticos e às organizações de massas e a livre-organização de movimentos minoritários, em discursos de teor apartidarizado e/ou apolítico, faz parte da cultura política dos novos “guetos”, presente no mundo pós-moderno do século XXI.


Perde-se, a partir destes movimentos minoritários, o ideário de unidade popular e nacional. O caráter holístico e o perfil includente se perdem em movimentos de cunho, por vezes, sectário e policlassista, escondendo, em uma “cortina de fumaça”, o fosso da desigualdade sócio-econômica e da contradição entre as classes. Um dos efeitos da pós-modernidade, ao negar a bipolaridade das classes, reside na fala de Mauro Zacher, onde menciona que


“A própria classe operária, concebida por Marx como verdadeiro sujeito das transformações sociais e que deveria se universalizar pelo próprio desenvolvimento do modo de produção, se tornou minoritária em todos os países capitalistas e viu seu peso político declinar de forma irreversível.

A almejada unidade política dos trabalhadores, por outro lado, tornou-se meta tão irreal quanto o pressuposto da unidade das classes dominantes que lhe oferecia justificativa em uma perspectiva de ‘luta de classes’. As sociedades contemporâneas de mercado são, concretamente, muito mais plurais do que boa parte da esquerda foi capaz e se move por contradições que extrapolam em muito os antagonismos entre capital e trabalho. Assim, se é evidente que a ‘fratura’ entre capital e trabalho segue operando efeitos não desprezíveis no mundo contemporâneo, é necessário reconhecer que muitos dos tensionamentos políticos que marcam nossas sociedades e mesmo muitos dos desafios a serem enfrentados em nossa agenda política se estruturam a partir de outras dinâmicas, tão ou mais importantes.”


Em suma, este é o argumento “teórico” colocado por Mauro Zacher, dado a “complexidade” do capitalismo do século XXI, desconsiderando, no entanto, o princípio nevrálgico e clássico que todas as correntes progressistas, marxistas ou não, fazem alusão direta ou subjacente: o da luta de classes. Sem incluir os 10 pontos de transformação no “neotrabalhismo pós-moderno” de Zacher, em grande parte deles já presentes no capital histórico-político trabalhista, a impressão parte do desconhecimento do autor aos valores que norteiam o trabalhismo, a partir dos documentos históricos basilares que regem a linha político-ideológica do PDT.



3) A atualidade do “velho” trabalhismo brizolista



Longe de qualquer visão de teor anacrônico, é possível afirmarmos que o trabalhismo confunde-se com a História da Democracia Brasileira. Ou seja, a História do Brasil Contemporâneo possui marcas inequívocas do trabalhismo. Marcas que inclusive forças avessas ao PDT, como o PT e, em menor escala, o PCdoB, seguem, a partir não apenas de suas políticas públicas, mas de suas pontuações ideológicas. Inclusive, correntes dissidentes pós-modernas do PT, de vertente trotskista como o PSOL3, PSTU e até o PCO, dentro do seu campo teórico, apontam algumas linhas de âmbito em encontro com os valores históricos do trabalhismo brasileiro.


Vale à pena, dentre inúmeros exemplos, citar ao menos as deliberações políticas mais recentes de partidos de esquerda alheios à ideologia trabalhista. Partidos que, mesmo seguindo a agenda da pós-modernidade, se posicionam, em momentos cruciais, na defesa das bandeiras que o trabalhismo advogou para si, desde a fundação do PTB, em 1945, até hoje, com o legado herdado pelo PDT.


Dentre alguns documentos recentes de outros partidos, existem algumas resoluções do PT em 2009, afirmando, em muitos momentos, a premissa de elementos do nacionalismo e do trabalhismo. Resoluções do Diretório Nacional do PT, como a de 10 de fevereiro de 2009, com o tema “É hora de aprofundarmos as mudanças e de fazer o embate ideológico”4 e a de 17 de setembro de 20095, na defesa do pré-sal, são alguns dos marcos que evidenciam a atualidade do nacionalismo-trabalhista na agenda política nacional.


Igualmente, o 12° Congresso Nacional do PCdoB pauta sua temática, em diversos momentos, a partir de sua agenda nacional e popular, evidenciando muitos itens do trabalhismo, no seu documento “Programa Socialista para o Brasil - O fortalecimento da Nação é o caminho, o socialismo é o rumo!”, feito em 03 de julho de 20096.


Dada a atualidade do trabalhismo, incluindo o pioneirismo bem-sucedido das políticas públicas, onde outros partidos não assim o fizeram, desde Vargas, não há quaisquer razões sólidas ou consistentes para o questionamento de Mauro Zacher. Políticas de Seguridade Social e proteção ao trabalhador urbano e rural, além da ampliação dos direitos políticos, sociais e civis às mulheres e aos negros, além de uma visão progressista no âmbito da política de segurança pública, baseada nos direitos humanos; Reforma Universitária – incluindo, neste ínterim, as proposições não apenas de Darcy Ribeiro, mas de quadros da antiga Mocidade Trabalhista presentes na UNE do início da década de 1960 –, dentre outras políticas públicas, foram as conquistas do trabalhismo, reconhecidas pelo povo brasileiro até hoje. Isto, sem incluir a criação da PETROBRAS, da Eletrobrás, da CSN, da Vale do Rio Doce e de outras empresas estratégicas à construção de um projeto nacional-desenvolvimentista.


Por exemplo, a Reforma Política, tão aludida por Zacher em seu texto, além de alardeada pela mídia e pelos diversos partidos – com o intuito de assegurar não apenas a lisura das eleições, mas o fortalecimento das instituições democráticas e dos partidos –, foi originada com Vargas a partir da criação da Justiça Eleitoral. Igualmente, a criação do voto secreto e a democratização do acesso não apenas ao direito de voto à mulher, mas de ser votada também, são avanços ímpares do trabalhismo varguista. Com Jango, a proposição da ampliação do direito ao voto para os analfabetos e a extensão da capacidade eleitoral passiva aos praças das Forças Armadas foi um dos fatores que justificariam, para os grupos liberal-conservadores, a necessidade de um golpe civil-militar, em 1964. Depois, a partir dos avanços tecnológicos, Brizola foi a voz isolada e visionária, ainda em meados ao fim da década de 1990, na defesa da lisura do processo eleitoral através da impressão da urna eletrônica7, salvaguardando a escolha democrática do eleitor, sem que voltasse ao retrocesso promovido nas eleições da Primeira República.


Ainda não explicitando uma análise profunda no âmbito da Reforma Política, limitando-se a um parágrafo curto8, colocando suas pontuações gerais sem maiores explicações, não há, no decorrer do documento de Zaquer, maiores aprofundamentos específicos sobre os dez pontos restantes. Pontos confundidos inclusive com políticas públicas pontuais, que em momento algum conflitam com um sistema tão perverso e desigual que o trabalhismo sempre pontuou. Entre agendas de vertente policlassista e de viés liberal, presentes na vala comum de grande parcela da esquerda brasileira sem rumo ideológico, Mauro Zacher quer propor a leitura de um neotrabalhismo pós-moderno que, em uma visão tecnocrática e cartesiana de partido, ignora a cultura política cultivada pelos trabalhistas. Enfim, a aposta de Zacher em uma “nova” leitura política sequer é seguida constantemente pelos partidos da esquerda pós-moderna.


Logo, quando à direita tucano-democrata, através da linha liberal-conservadora, investe em uma sanha histérica antinacionalista e privatista, são os mesmos partidos de esquerda, com visão liberal e pós-moderna, que abraçam com veemência as teses do nacionalismo e do trabalhismo – via soberania nacional e democracia popular, a partir de um discurso progressista e nacional-desenvolvimentista.


Assim, muito nos estranha a necessidade de “modernização” de um “neopasqualinista” do século XXI, dando calafrio não apenas a Alberto Pasqualini, mas a muito trabalhista histórico vivo até hoje! Pior: particularmente, estranha mais ainda que a abordagem heterodoxa surja de um parlamentar oriundo de um estado que foi e é o berço do trabalhismo brasileiro – o Rio Grande do Sul. E o que nos assusta mais ainda é que o defensor destes princípios seja o líder da bancada do PDT na Câmara Municipal de Porto Alegre, cidade de onde Leonel Brizola foi Prefeito.


Cabem a nós, trabalhistas, uma análise pungente, ponderada e construtiva, das nossas crenças ideológicas e dos valores que carregamos. Se o texto do Vereador Mauro Zacher teve alguma serventia, foi para apontar, de forma incisiva, o quanto é possível ver que determinados quadros parlamentares, ditos trabalhistas, sequer são capazes de identificar minimamente não apenas o arcabouço ideológico, mas o caráter identitário de lutas e conquistas que o trabalhismo travou historicamente, em defesa dos interesses nacionais e populares, e que continua vivo até agora!


Faltou CIEP para esse cidadão...